quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Imagens da Leitura 5

O Filósofo (O Leitor no Parque) de Carl Spitzweg
Habituados estamos a ver pelos jardins públicos que teimam em contrariar o cogumélico betão pessoas imersas nos seus livros. Fazem-no na mira de se impregnarem da calma e beleza dessa natureza podada e circunscrita, para melhor aproveitarem o que vão lendo. Poder-se-ia porém esperar de um filósofo atitude diferente, com idênticos elementos. A saber, a utilização dos escritos problematizantes como doping, na actividade de interrogar e explicar a Natureza. Por isso mesmo uma representação de um desses porteiros do intelecto talvez ganhasse em pintá-lo com um livro entreaberto e olhos fixos na vegetação circundante, não de costas voltadas para um busto feminino incerto, ao qual podemos atribuir a carga simbólica da Sabedoria.
Contudo, tendo em conta a proximidade das posições, variando apenas o momento eleito para a captação, podemos repousar sobre a conclusão de que os portadores de textos editados, quando em encontros imediatos com o mundo vegetal, tanto podem ser homens procurando ser sábios, como sábios empenhados em não fazer esquecer a sua condição de homens. E quem sabe se uns e outros não se encontrariam no escapismo, caso as leituras empreendidas pelos representantes de ambas as categorias, no caso, fossem, por exemplo, romances policiais?
A Leitura tem como principal propriedade garantir a suportabilidade da Vida. Cowley disse:
Deixem a Natureza e a Arte fazer o que lhes agrade,
Depois de tudo feito, a vida é doença incurável.
O que nos leva à certeza de que a escrita não é mera prescrição contra as dores, mas verdadeira condição da sanidade. E que a desistência de a redigir ou consumir será o começo do arrastamento para o fim certo.

1 comentário:

Terpsichore Diotima (lusitana combatente) disse...
Este comentário foi removido pelo autor.