Anatomia da Ilusão
Combatendo o Nosso Engano (Ilusão) de Terry MacCallum
É por demais evidente que a consciência de um mérito que ficou por reconhecer, essa dívida persistente da esfera psíquica, pode levar o credor frustrado ao desencanto que um investimento falhado sempre acarreta. A percepção latejante de "não ter sido merecido" pela roda em que se movera é então o derradeiro meio de se ressarcir. Mas são múltiplas a fontes da fuga ao fisco da atribuição de recompensas espirituais: não somente o querer mal ao que surge como superior, presente apenas nos piores elementos da sociedade. Também, mais do que a cautela papalva em prestar tributos, de que tenho falado e muitos ingénuos continuam a ver como o melhor meio de, aparentemente, se eximirem a esse epíteto de inocência. E, na maior parte das pessoas, a esterilização da porfia em valorizar o Outro, que vive muito de crer a acção louvável deste pensada em razão de um qualquer proveito, que, obtido ou não, é resultado de jogo aparentado com o de azar. Conceito informe que terá alguma base, salvo se a determinação actuante do ser em evidência repousar numa impoluta concepção desportista de aplicação própria, da qual resultem irrelevantes - embora não indiferentes - aplausos ou apupos, colocados no seu devido canto pela tranquilidade realizada de ter feito. Solitária maneira de evitar um balanço desapiedado dos outros e apiedadíssimo de si como o que fez um Estadista a que a Pátria muito ficou a dever, nestes versos, o Conde da Ericeira:Desalento
Vi que o favor da corte era vaidade,
Achei no amor desdéns, sustos, enganos,
Gastei no estudo a vista, o gosto e os anos,
Encontrei inconstâncias na amizade.
Astúcias me ofenderam a bondade,
Ao benefício ingratidões e danos.
Teve o valor por prémio desenganos,
O conselho queixosos da verdade.
Julgou-se a cortesia abatimento,
E chamaram lisonja ao que era agrado,
Dissipou-se no gasto o luzimento.
Cortou-me a inveja o espírito elevado,
Não sei se me ficou o entendimento
Só para conhecer-me desgraçado.
11 comentários:
Essa é uma ameaça que sempre pende sobre o Homem,levando,frequentemente,ao desencanto,de que nos fala o Conde;só que se pode ser mais,ou menos,resistente à dor que daí advém.Há os que nunca conseguem lidar com a desilusão que emerge do engano.
Beijo
oh , gosto muito desse poema! É muito honesto.
Honesto e sentido,Cara Terpsichore!
Transparece o quão grande é o seu desalento...
A Cristina tem inteira razão. O meu textículo introdutório visava ser, um pouco, vacina contra o abatimento.
Beijo
É mesmo, Terpsichore, vem do fundo do coração e é suportado pela biografia, recapitulação do período dos ouropéis do Poder.
Beijo
O Conde da Ericeira, entretanto, era, além de político importante na consolidação do Portugal restaurado, um literato de peso. A sua História do período foi das narrativas que melhor li. E foi tradutor de relevo, da «Arte Poética»... Tinha na mão os instrumentos, enfim.
Beijo
É a grandeza do seu espírito e coração, que vejo neste seu poema, por de trás do desalento, querida Cristina.
A grandeza de um está em proporção com a do outro...
E Paulo, que traduziu ele? E que escreveu ele?
Um beijinho
Pois,Cara Terpsichore,só se desilude quem um dia acreditou,e o dom de acreditar,que leva a investir todo o sentimento, supõe essa grandeza.
Beijinho
Querida Terpsichore,
traduziu a «Arte Poética» de Boileau e escreveu uma quantidade de obras, das quais há uma «História de Carlos V» muito célebre. Mas o trabalho fundamental, para mim, é a ordenação/reescrita dos últimos volumes do livro do seu glorioso pai, a «História de Portugal Restaurado» onde toda a problemática restauracionsta é vertida. Tudo isto por entre animações de círculos culturais, missões militares na Guerra de Sucessão de Espanha, afirmando o papel de Portugal como potência; e intervenções na teoria económica, visando garantir o sustentáculo desse estatuto.
Beijo
Muito obrigada caro Paulo. Guardarei a informação. Um beijinho
Retribuído em dobro, mas não por isso desvalorizado, Senhora. Sempre às Vossas ordens.
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