segunda-feira, 8 de outubro de 2007

O Tempo e o Modo

Leitura da excelente série de Ortega Y Gasset sobre «As Ideias dos Castelos». Absolutamente fundamental o capítulo sobre os Criados e a valorização do serviço como algo que não se podia pagar, sob pena de degradação, assim como a proximidade do Superior como elevação, em época que não estabelecia a escala social por zeros de contas bancárias. Além da humanização da Economia, estabelecendo a medida da produção em função do que previamente se sentira necessidade de consumir, ao invés de, como hoje, inventar necessidades de consumo como decorrência da acumulação abstractamente empreendida.

Mas o principal ponto distintivo residia na erradicação do fundamento negocial da estruturação:
Durante a Idade Média as relações entre os homens repousavam no princípio da fidelidade, radicando por sua vez na honra. Pelo contrário, a sociedade moderna está fundada no contrato. Nada pode mostrar tão claramente a oposição entre essas duas emoções primárias que viveram uma e outra idade. A fidelidade, o seu nome o define, é a confiança erigida em norma. O homem une-se ao homem por um nexo que fica sepultado no mais íntimo de ambos. O contrato, ao invés, é a cínica declaração de que desconfiamos do Próximo ao tratar com ele e o ligamos a nós em virtude de um objecto material - o papel do contrato - que fica fora das pessoas dos contratantes e que, chegando a hora, poderá - vil matéria que é - levantar-se contra eles. Grave confissão da modernidade! Fia-se mais na matéria, precisamente porque não tem alma, porque não é pessoa. E, com efeito, esta idade tendeu a elevar a Física ao estatuto de Teologia.
Não andarei longe da verdade se disser que foi muito isto que logo me desiludiu do Direito no primeiro ano do curso. Onde esperava a regulação da Direiteza encontrei os expedientes da esperteza. E logo vi em tantos coleguinhas precocemente encarrilados para carreiras inescapáveis de rotinas minutantes o estrangulamento dos restos de frescura que aos dezoito anos ainda subsistiam! Alguém me disse, ao terminar o calvário, que a profissão de jurista era "apaixonante" por trazer uma coisa nova todos os dias. Faltou acrescentar que apenas dentro dos limites das linhas e entrelinhas, demasiado pouco para quem queria mais do Homem, mesmo alertado para o pouco que havia a esperar dele.
A nossa época é aquela que precisou de recorrer a outra espécie para retratar a Fidelidade, como no quadro de Olivier Lamboray.

2 comentários:

Anónimo disse...

Óptima reflexão,Paulo!
É uma grande verdade que a passagem do tempo fez crescer o cinismo e a desconfiança entre os homens,sem que se vislumbre sequer um momento de pausa para repensar o caminho encetado.
Nunca foi tão verdadeiro o aforismo "o Homem é o lobo do Homem"
Beijo

O Réprobo disse...

E, Querida Cristina, o que poderia ser mera situação factual, passa a constituir-se princípio orientador institucionalizado. É essa a maior degradação.
Beijo