quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A Insaciável Procura

Agosto, tempo de sede. A física, decerto, mas, ainda mais, a devoradora da curiosidade. Releio as «Viagens de Gulliver» e não cesso de me espantar com o facto de apenas ter sobrevivido no imaginário universal, o comum aos que as leram e aos que o não fizeram, o episódio de Lilliput. Sinal, crê este psi-réprobo, de que a nossa pequenês actual procura escusas inconscientes nas ficções que considerem uma dimensão maior como forçosamente extravagante.
Muito mais pano para mangas fornece o passo de Glubbdubdrib, onde os dominadores feiticeiros da região permitem aos convidados escolher os personagens históricos falecidos e por eles serem servidos. O viajante de Swift optou, entre outros, por Alexandre O Grande, que lhe garantiu ter morrido de febre e não envenenado, Bruto e César, em excelentes relações por haver o primeiro libertado o seu apunhalado Pai Adoptivo das grilhetas do exercício do Poder, Homero e Aristóteles, absolutamente impossíveis de identificar pela multidão de comentadores seus com quem o protagonista das viagens os queria confrontar...

De repente parei de ler e dei comigo a cismar: quem escolheria da História para interrogar sobre alguma coisa? Salazar, para que aconselhasse os actuais governantes? Nem pensar, tenho sempre presente o Evangelho segundo São Mateus, no passo das "pérolas aos porcos" atiradas. Algum dos muitos vultos que se pensa terem sido vítimas do veneno? Nem por sombras, nutro dúvidas persistentíssimas inclinando-me a não admitir que a maior parte dos assassinados por esse processo se tivesse dado conta da causa do seu fim, ao contrário da confiança na ficção alexandrinamente depositada. Invocar um Santo? Nunca, precisamos de Todos Quantos haja para que rezem por nós. O Infante D. Henrique, então? Seria o cúmulo do sadismo, obrigá-Lo a ver o rumo que a Obra de Sagres tomou.
E, assim, cingia-me a:
- D. Sebastião, cuja identificação do respectivo corpo aqui se dá, pintada por Cândido Costa Lima, para que dissesse se tinha realmente ficado no Norte de África.

- António Sardinha, pois gostaria de saber se teria aderido a Salazar, ou, como julgavam os seus companheiros Integralistas e a viúva, se oporia ao Estado Novo.

- Martim de Freitas, para lhe dar um abraço.

- William Shakespeare, visando esclarecer se escreveu, de facto, o que lhe foi atribuído, ao contrário do que tanto investigador conclui, distribuindo os seus livros por Bacon, Rainha Isabel, Raleigh, Marlowe, Spenser, academias de sábios e tudo o que seja bicho careta isabelino.

Não me sinto com forças ou legitimidade para inaugurar nova corrente. Convido é os Amigos desta casa a, nas caixas de comentários ou nas suas páginas, darem conta de quem gostariam de trazer do Passado para interrogar. Agosto é o tempo ideal para o efeito.

15 comentários:

Anónimo disse...

Caro Paulo
óptimo exercício este que propõe,e como seria interessante saber a resposta a muitas das perguntas que aqui faz...
Haveria mais,certamente,mas estou a lembrar-me de duas:a primeira seria Fernanda de Castro,autora do 1ºlivro que li,"Mariazinha em África",e que me encantou,e o outro era Vitorino Nemésio,de que não tenho memória nenhuma,a não ser de alguma coisa que li dele,mas que me dizem ter sido uma pessoa cativante.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
Nemésio devia ser conversador fascinante. E Fernanda de Castro, com tanta gente ilustre que contactou...
Beijo deliciado

Anónimo disse...

(o grave é ,também,para cada geração,o "por fim"vir demasiado tarde...;mas,afinal,vem a dar no mesmo)

Bic Laranja disse...

D. Sebastião sem dúvida; há muito quye procuramos notícias dele. Cumpts.

O Réprobo disse...

Há uma hipótese de contornar o problema, Cristina: agir como pessoa, sem se submeter à mordaça mental da onformação aos comportmentos etários.
Beijo

O Réprobo disse...

Meu Caro Bic,
sendo que tal expediene evitaria muito resfriado, resultante das esperas em Domingos, por entre o nevoeiro...
Abraço

T disse...

A Fernanda de Castro...Ainda agora li as memórias dela, que coincidência.
Mas vou propôr essa ideia. Já sei quem vou escolher.
Bj

Anónimo disse...

Volto aqui para escrever uma recordação associada à Póvoa e à minha primeira leitura:durante a semana os meus pais ficavam em casa a trabalhar,nesse mês de Setembro(nós,os filhos,ficávamos com uma empregada),e à sexta-feira os pais iam ter connosco.Como tinha começado a ler há pouco tempo,o meu pai levava-me,a cada fim-de-semana,um livro,e o primeiro foi o da "Mariazinha";o que este post me fez lembrar de bom...

Anónimo disse...

Ai,queria pôr este comentário onde se fala de praia...

Anónimo disse...

Caríssimo Amigo:

Escolheria, de entre os que o meu Amigo citou, o rei D. Sebastião. Não por mera curiosidade, pois tenho dados suficientes para concluir que teria falecido por volta de 1633, muito depois da terrível batalha em que foi traído, e cujo aniversário se lamenta hoje, a 4 de Agosto.
O que me levaria então a interrogar o nosso Rei, tão vilipendiado por historiadores seguidistas, seria mais a extensíssima obra reformadora que D. Sebastião encetou no seu reinado de uma década. Desde a padronização de pesos e medidas - com avanço de séculos em relação ao resto do mundo - até à fabulosa obra legislativa, as «Ordenações Sebásticas», ainda hoje guardadas a sete chaves na Torre do Tombo, e que constituem (pelo que me foi dado consultar) a maior e mais completa obra legislativa da época, introduzindo inovações e conceitos que só vários séculos passados viriam a lume.

Também, mas isso seria indiscrição da minha parte, gostaria de saber que consorte lhe deu a descendência de pelo menos três filhos, sabendo que o que teria tido de D. Juliana de Lencastre fora morto em criança, levando a mãe a um luto de dez anos (o Conde de Sabugosa chamar-lhe-ia «a primeira sebastianista», embora não refira a criança).

Há quem especule que a mãe possa ter sido a própria infanta Isabella Clara Eugénia, filha de Filipe II, cujos três filhos (dois varões e uma menina)não vêm considerados na História oficial, mas apenas na genealogia da Casa de Habsburgo, sabendo-se os nomes e as datas de nascimento, mas não as da morte. Vários documentos existentes nos Países Baixos, de que foi governadora, indiciam que as crianças lhe tenham sido retiradas e mortas, por ordem de Filipe III. Do marido da Infanta, o ex-cardeal Albrecht, não deveriam ter sido, pois este era impotente.

Curiosamente, Isabella passará os seus últimos anos a elaborar uma obra jurídica baseada nas... Ordenações Sebásticas.

Os possíveis filhos de D. Sebastião são mencionados num último breve papal de 1630, se não estou em erro.

Enfim, meu Caro, hoje seria preciso um homem da têmpera do nosso Rei-Cavaleiro que, no seu Memorial para Governo do Reyno, escrevia, entre outras coisas: «Levar os subditos por amor, em quanto puder; ser inteiro aos grandes, humano aos pequenos», «Em negocios ter primeiro conta com o bem comum, e só depois com os particulares», para rematar «Todo o que me fallar deshonestidades, castigallo rijamente».

Meu Amigo, muita gentalha neste pobre Reino assombrado precisava realmente de um «rijo castigo». E por isso, e muitas coisas mais, ainda esperamos o aparecimento do Desejado...

Um grande abraço.

Anónimo disse...

Digo: «... se lamenta AMANHÃ, 4 de Agosto».

Pelo lapso, as minhas desculpas.

Um abraço.

Anónimo disse...

Correcção:.."havia pouco tempo..."(comecei a ler há já uns bons anos :) )

O Réprobo disse...

Fantástico, Cristina, está tudo ligado, o livro, Serembro, a Póvoa...
E também não fica mal aqui, evita-se a vizinhança dos óleos de bronzear.
Beijo

O Réprobo disse...

Meu Caro Carlos Portugal,
muito me conta. E pensava eu já ter uma razoável panorâmica sobre o Desejado. Para amanhã guardo ua pequena nota evocativa do combate perdido onde digo qual a nota mais importante que julgo dever tirar-se do Sebastianismo.
Abraço apertado

Anónimo disse...

E esses documentos estão aonde? Que documentos são? Quais portugueses os leram? Estão todos copiados? É porque quando não...