Demandas Sem Graal
São inúmeros os riscos de interrogar-se. Para além dos mais superficiais, os de ser dado como condenado ao infortúnio por eternos dependentes do dia a dia, cobertos de queixas, mas insistindo em ter como lamentáveis os que se orientam para posturas superiores, há as contra-indicações intermédias e as mais fundas. Consistem as primeiras em acreditar nas virtualidades puras da adopção do paroxismo questionador como segredo e caminho para um estádio acalentado, rejeitando assim os pólos opostos das sabedorias construídas pelo Mundo, o que defende estar na continuidade da procura o anti-corpo neutralizador da desilusão e o que defende residir ele na renúncia a desejar e perseguir metas auto-impostas, salvo a nulificação das inclinações.
Mas o perigo mais definitivo pode resultar de qualquer dessas atitudes, por essa via transformadas ainda em prospecções: é o de encontrar-se.
IDENTIDADE
A miséria dramática da vida,
que muitos sentem e outros imaginam,
é isto apenas: - farsa repetida
no mesquinho horizonte em que a confinam.
Olha aquele, infeliz - sempre a cismar.
E estoutro, venturoso - que não pensa.
Não será o primeiro que, a desvairar,
constrói alucinado a sua crença
no desejo incontido que o arrasta
pra longes ilusórios de magia,
preso à ilusão que mais e mais se afasta?
Não pressentir venturas nem amores
nem sorrir à alegria e, muito menos,
dar vida a grandes fulgores
que hão-de tornar-se pequenos,
são modos de andar ausente
da mágoa que nos invade?
Se assim é, alma que sofres,
põe de parte as tuas dores
não morras pela verdade;
pois a vida é simplesmente,
causa remota de animalidade.
O que não interroga nem descrê
nem anseia nem ama nem deseja,
talvez que o mundo, sem saber porquê,
o suponha feliz sem que ele o seja.
Todos, porém, se igualam na desdita,
quer se prendam ou não no desengano...
Mas o que não duvida nem medita
nega a própria razão de ser humano.
10 comentários:
Meu Querido
Não parta do princípio que, quem não está de acordo consigo, não duvida, nem medita.
Quer dar-Se ao trabalho de ir responder à minha resposta?
:)
beijinho amigo, como sempre
Quando é que eu fiz tal inconsideração, Querida Marta?
Vou já para lá.
Olha o Augusto Ricardo! Não o via desde que ele chefiava a redacção do velho «O Diabo»...
Compadrão,
no entanto, enquanto misantropo, tive ocasião de publicar um poema dele. Gosto das preocupaçoes que espreitam na concepção, embora falte, por vezes, à forma o quid que enfeitice, ou seja a poesia no estado mais puro.
Abraço
Se é certo que o questionar-mo-nos acarreta,inevitavelmente,riscos,tenho-o como único meio de encontrar,ou,pelo menos,tentar ir o mais longe possível na busca,o sentido da existência;mas,quando se investe somente nesse questionamento,cair-se-á,paradoxalmente,no primeiro risco de que fala.
A solução talvez esteja no fazer-se a síntese possível entre os tais dois pólos a que alude.
Quanto ao perigo mais definitivo que aponta,não o vejo como tal.
Beijo
Olá ninfa Cristina,
temos uma Habitante Mitológia do Rio a distinguir-nos?
Claro que no equilíbrio estará a capacidade de superar as aporias resultantes dos extremos citados. Mas sou muito mais céptico quanto ao pretenso conhecimento de si, que reputo de potencialmente fatal, seja por agradar ou por desgostar, levando à falta de escrúpulo ou ao desespero, conforme o caso.
Beijo
Também aqui há que tentar lidar com as coisas de modo a não nos magoarmos,mesmo quando deparamos com coisas que nos desgostam,sem que,no entanto,tal signifique contemporizar;mas sei,até por experiência própria, que não é nada fácil.
Beijo
A facilidade, Cristina, só existirá quando o Homem for outra coisa qualquer. E quando tenta facilitar ele despromove-se.
Beijo
É isso,Paulo.Não é fácil,mas quis dizer que não é impossível,e deve-se tudo tentar para conseguir lidar com tais adversidades.Só assim valerá a pena:persistir,é a palavra-chave.
Beijo
(P.S.Há tempos disse-lhe que era céptica,mas não derrotista,lembra-se?)
Lembro, como poderia esquecê-lo? É o melhor caminho para não se ter derrotas pré-determinadas, nem vitórias assentes apenas nas movediças areias da Irrealidade.
Beijo
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