domingo, 8 de julho de 2007

Contramão

Partida de Vasco da Gama Para a Índia de Miguel Ângelo Lupi

Num dia em que os olhos comemorativos estão postos no marco que foi a largada dos navios que primeiro voltaram de viagem à Índia gostaria de deixar duas breves notas. A inicial para tentar perceber a razão de, no nosso discurso de exaltação contemporâneo, o Brasil ter substituído o Oriente como a obra lusa por excelência, consequência clara, não tanto das diferentes felicidades dos finais das respectivas presenças portuguesas, como do espírito deste tempo, menos sensível à osmose de Leste e Oeste num cadinho civilizacional Cristão que foi a razão primeira da justificação da aventura, face a um outro empreendiento que, pela atribuição da autoria das condimentações estruturantes, preenche mais imediatamente o conceito de Criação no mundo hipotecado à idolatria de Prometeu e à emulação dos seis Dias Divinos.
Mas - e eis o segundo ponto - é também interessante comparar as transformações das sortes da Epopeia do Oriente com uma migração inversa, a dos Ciganos, para as paragens que habitamos. Segundo alguns, eram provenientes, precisamente, da Índia Setentrional e daí fugidos à crueldade dos invasores às ordens de Tamerlão, após o que teriam, inicialmente, gozado das simpatias das populações e das protecções dos poderes europeus, uns e outros acreditando que eram peregrinos egípcios sob cuja identidade muitos se faziam passar, ao ponto de determinar o nome que lhes foi dado em inglês e castelhano. A reacção posterior, a perseguição, encontra muitas das suas causas na desilusão que essa fraude comportou, enquanto que o milagre de concórdia cultural que foi Goa radicou, justamente, na inversa, a superação de uma expectativa que era da simples violência inerente à conquista, substituída logo por uma fusão efectiva que só as circunstâncias externas atalharam. Porque a esperanças no aumento do alcance da Fé são as mais perigosas e decisivas. Nos casos de frustração, acarretando estigmas duradouros, nos de superação, fornecedo-nos as referências que dignificam.
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Ciganos de George Moreland

2 comentários:

Anónimo disse...

um olho na especiaria outro no cigano

O Réprobo disse...

É, para adicionar à pimenta o sal.