O Desvalor do Banal
Nada como um Sábado para abordar as grandes questões. A propósito de Eichmann, o Jansenista critica o conceito de banalidade do Mal colhido em Arendt. Discordo da Sua demarcação, Caríssimo Confrade, não em qulquer dos pressupostos, mas na discrepância qualificativa. Quando ao caso se rotula a banalidade, não significará qualquer atenuante, antes pode configurar-se como agravante de peso: neste livro, cheio de transcrições dos depoimentos do Arguido, dá-se conta da constância da sua negação de alguma vez ter sido anti-semita. Ou seja, prescinde do idealismo - mesmo que de um terrivelmente maligno se tratasse - como motivação da sua conduta, circunscrevendo os seus valores norteadores à disciplina. É esta absoluta renúncia à Grandeza que justifica o epíteto da Grande Historiadora. Ao contrário de um Rosenberg, por exemplo, que, em Nuremberga, não procurou fugir às suas responsabilidades, nem renegar o que defendera, por monstruoso que se evidenciassem as consequências. O que lhe valeu a admiração de um Speer em fase de contrição, o qual disse nas memórias ter ficado convencido de haver estado em presença de uma pessoa (horrendamente) honesta, sendo que o parêntese da oração anterior é meu.
Não creio, além disso, que tenha constituído um estratagema "para salvar a pele". Tenho certeza absoluta de que ele não alimentava ilusões quanto à calvação do pescoço. Talvez antes uma tentativa de aumentar a dimensão própria, para a História, conferindo-se o papel de Herói de Tragédia, que vivera um conflito de deveres em que o Destino aniquilador seria interpretado pelas dissoluções de culpas das "necessidades da Guerra". E imputando a todos os Nacionalismos o ódio racial, o que é falso, já que muitas experiências foram alheias a tais vergonhas.
Dito isto, não ficaria bem com a minha consciência se não acrescentasse que o estilo inadmissúvel do Procurador, não já o do Juiz-Presidente, me lembrou macabramente... Freisler!!! Claro que se pode dizer que estaria escaldado, mas quem não mantém a cabeça fria não vai para jurista. E não se diga que faz parte de todas as acusações. Ambos já vimos muitas que não funcionaram assim, contra outras desumanidades que, se diferem na envergadura, não o fazem na Essência.
Não creio, além disso, que tenha constituído um estratagema "para salvar a pele". Tenho certeza absoluta de que ele não alimentava ilusões quanto à calvação do pescoço. Talvez antes uma tentativa de aumentar a dimensão própria, para a História, conferindo-se o papel de Herói de Tragédia, que vivera um conflito de deveres em que o Destino aniquilador seria interpretado pelas dissoluções de culpas das "necessidades da Guerra". E imputando a todos os Nacionalismos o ódio racial, o que é falso, já que muitas experiências foram alheias a tais vergonhas.
Dito isto, não ficaria bem com a minha consciência se não acrescentasse que o estilo inadmissúvel do Procurador, não já o do Juiz-Presidente, me lembrou macabramente... Freisler!!! Claro que se pode dizer que estaria escaldado, mas quem não mantém a cabeça fria não vai para jurista. E não se diga que faz parte de todas as acusações. Ambos já vimos muitas que não funcionaram assim, contra outras desumanidades que, se diferem na envergadura, não o fazem na Essência.
27 comentários:
Tentativa de banalizar o mal, ou vulgarizá-lo, é o que se me oferece descortinar em indivíduos como este.
Beijo
Caríssimo: Concordo inteiramente consigo, e ainda mais com a comparação com o sinistro Freisler (que acabou com uma bomba em cima, por teimar em ir buscar um processo durante um bombardeamento), que encenou a farsa trágica do «julgamento» dos implicados no atentado de 20 de Julho.
Mas há um mistério curioso, facilmente verificável, e mesmo por isso ainda mais surpreendente: é que o homem julgado como Eichmann não era... Eichmann. Aliás nem parecenças tinha. Cor dos olhos e do cabelo completamente diferentes, orelhas diferentes, feições diferentes. O próprio Wiesenthal (com o qual embirro solenemente, mas por outras razões) clamava que lhe tiraram o caso das mãos e que não podia mais afirmar que o prisioneiro seria Eichmann.
Resta saber quem se terá prestado - e porquê - a tão macabra e auto-mutiladora representação.
E ainda outra coisa: Eichmann desobedeceu directamente ao governo alemão e ao próprio Himmler, ao querer continuar com a deportação de húngaros para os campos, quando a «solução final» havia sido descartada parcialmente desde a morte de Heydrich. E foi preso pelas SS. Curioso, não é?
Abraço
O prezado Carlos acredita na "solução final"?
Querida Cristina,
o meu ponto não corresponde a um acto determinado do condenado, mas à despromoção de magnitude que é a atribuição a um dever de conformação a ordens e não a um credo, por horrífico que fosse.
Beijo
Meu Caro Carlos Portugal,
eu acho-o parecidíssimo, apesar dos vinte anos decorridos e das tentativas de se modificar, que levaram à comprovada remoção da tatuagem do grupo sanguíneo dos SS. Tanto ele como os outros dirigentes da RSHA e sucessora se empenharam em apagar ou confundir os traços. Alguns dos peixes maiores nunca foram apanhados. Era fatal que o conspiracionismo plumitivo levantasse dúvidas, mas a atitude da família, com a célebre celebração do aniversário de casamento e os tegistos dentais não deixam dúvidas. Sei do SW, mas esse indivúduo execrável não queria justiça senão como acessória de protagonismo seu - precisamente o que lhe retiraram no caso.
Não tem qualquer relevância para o conteúdo do postal, mas a Solução Final não foi parcialmennte descartada. Foi sim retirada aos serviços superintendidos por Müller, que nunca foi apanhado, passando Eichmann, a partir da Conferência de Wannsee a reportar directamente ao Reichsführer e a poder dar ordens conexas a oficiais de patente superior. Como sabe, a ultrapassagem de Müller foi o ponto que ele se obstinou em negar no julgamento...
Um pormenor final - soube que descobriram no ano passado o passaporte com que ele entrou na Argentina?
Abraço
Meu Caro FSantos, não vás em cantigas optimistas sobre o Homem: qualquer poder tão hostil que tenha à mercê vítimas e meios usa-os. Li meia dúzia de livros negacionistas, os de Faurisson & Cª, do princípio da celebridade. Nenhum me convenceu.
Abraço
Caro FSantos: Acredito que o Heydrich e o seu grupo das farmacêuticas esboçaram um meio de obter uma «human pool» para trabalho escravo e experiências em Wannsee, em Janeiro de 1942. Opuseram-se várias figuras proeminentes do Reich, entre os quais o Presidente do Reichstag.
Nem o Himmler nem o Hitler podiam saber da conferência.
Dois meses depois, a Resistência checa matou o Heydrich, terminando a questão.
Nos finais de 1944 e inícios de 1945, Eichmann, desobedecendo directamente a Himmler, começou, com a ajuda da Guarda de Aço húngara e do movimento Cruz da Flecha, a deportar judeus para campos. Himmler soube e mandou-o prender, assim como muitos dos chefes da Guarda de Aço. Estes foram julgados em tribunal militar pelas SS por crimes de guerra, o que dá a ideia da violência dos sujeitos. Eichmann fugiu e refugiou-se no castelo de um amigo, junto da fronteira austríaca.
Foi com base nesta conferência e nos disparates de Eichmann e de outros que em Nuremberga os acusadores cunharam o termo «solução final», conveniente para a encenação que estavam prontos a fazer.
Para além disto, acredito que muitos judeus - principalmente khazans - foram deportados para campos de trabalho forçado, como Auschwitz, para auxílio no esforço de guerra alemão. A maior parte dos que morreram (um total de cerca de 800.000) foi por fome e tifo, pois nos finais da guerra nem o exército tinha mantimentos para os soldados. Claro que não foi nada bonito, e discordo em absoluto de uma prática destas, mas esteve bem longe do genocídio programado que por aí apregoam. Nem tal genocídio faria qualquer sentido, e os alemães sempre foram muito práticos.
Muitos milhares de outros foram incorporados na Wehrmacht, na Kriegsmarine e nas próprias SS, como soldados e até oficiais (o imediato do Bismarck, por exemplo, era judeu). A este respeito, há um livro curiosíssimo, com imensa informação: «Os Soldados Judeus de Hitler» de Bryan Mark Rigg (também ele judeu). A documentação apresentada dá-nos uma ideia completamente diferente da «oficial», acerca da actuação dos nazis - principalmente do próprio Hitler - para com os judeus.
O curioso é que grande parte dos enviados para os campos foram designados às SS Algemeine pelo próprio Conselho Mundial Judaico, como se pode até constatar no filme «Dresden».
Bom, Caro FSantos, creio que lhe respondi à pergunta, embora não tenha a certeza se melindrei o meu Caríssimo Amigo Paulo, Dono desta Casa. Se tal aconteceu, as minhas desculpas.
Um abraço aos dois.
Meu Caro Carlos Portugal,
sempre pensei que as dificuldades finais de Eichmann tivessem sido devidas a exigências do Almirante Horthy que teria posto Hitler perante a hipótese de chefiar uma resistência aberta na Hungria, o que com as dificuldades do rumo da guerra não convinha nada...
E não me melindrou coisa alguma. Não julgo os indivíduos pela sua pertença a grupos. Quando falo do mal em Eichmann é à sua conduta concreta que me refiro, conforme a considero provada.
Abraço
Caríssimo Amigo:
Realmente o almirante Horthy complicou as coisas, mas o homem era um vira-casacas, e a situação em Budapeste era um verdadeiro caos, nesses anos finais. Ainda recordo as fotos e a descrição da entrada do Otto Skorzeny no castelo de Budapeste, para pôr fim à insurreição. Se quiser, passo-as a scanner e envio-lhas.
Contudo, a actuação do sinistro Eichmann foi bem mais complexa do que se julga. E sabe também que o Himmler estava a par do atentado de 20 de Julho e dos planos de von Stauffenberg e não fez nada para impedir os acontecimentos, a ver no que que é que «a coisa dava»?
Tenho ainda bastante documentação sobre essa época, e realmente ocorreram coisas bem estranhas. A verdade é bem mais fascinante do que a ficção, sobretudo a «oficial». Mas nem sempre é menos horrenda.
P.S.: Pessoalmente, não pertenço a qualquer grupo, a não ser às Reais de Cascais (sou monárquico, como sabe). Apenas gosto de aprofundar certos assuntos, e não embarcar em frases ou conceitos tidos como «assentes». Sou um pouco «do contra», está a ver?
Um grande abraço.
Caríssimo Amigo:
Só agora li o Seu Comentário mais acima.
Não sabia do passaporte do sujeito. Tem mais dados ou referências que me possa indicar, se me puder fazer esse favor?
Já agora, também não sou negacionista ou não-negacionista :), como expus no comentário anterior. Os livros negacionistas também não me convencem. Infelizmente, não há muitos Santos entre os humanos; mas há, sim, muitos demónios. Em todos os lados ou facções.
Resta-nos a Fé e o Bom Combate, que deve sempre obedecer às Regras que o meu Caríssimo Amigo bem deve conhecer.
Forte abraço.
Eu também não gosto de embarcar em falsidades, Caro Carlos Portugal, mas controlo a pente fino as versões alternativas da História, dos grupos marginais, que, nas mais das vezes, procuram adequar a investigação a versões pré-concebidas.
Posso enviar-Lhe os depoimentos do Almirante apresentados no tribunal que julgou Eichmann, fazem muita luz sobre o papel dele. Era, com as diferenças dos dois países e ameaça Soviética à porta, um jogo duplo à Pétain. Desde o princípio. Vira-casaquismo só se pode considerar o pedido de armistício, mas nada em que a Itália se não tivesse igualmente feito notar...
Não quis dizer que o Meu Amigo pertencia a qualquer grupo. Se ler outra vez o que escrevi reparará que quero significar que não tenho simpatias ou aversões pré-determinadas a entidades colectivas. A culpa tem de ser sempre pessoal.
Abraço
Entendi, Paulo, mas quis referir tão-só que a tentativa de justificar os seus actos com o "estar apenas a obedecer a ordens", querendo fazer crer que afinal até nem era conivente não o iliba do mal, porque dele penso que a história foi mal contada.
Beijo
Compreendo as objecções, mas mantenho que nada há de banal. Quanto a ser Eichmann, é evidente que era ele mesmo, bastando a similitude facial ou mesmo a quantidade de factos de que tinha conhecimento privilegiado e de que deu testemunho original. E quem saiba como é que ele foi detectado (por vias familiares) sabe que era ele, sem qualquer sombra de dúvida (a menos que se tratasse de uma família de actores enredados numa grande encenação cabalística).
O contraste com Rosenberg é perfeitamente explicável: por mais abomináveis que fossem algumas das ideias defendidas e vulgarizadas por Rosenberg, esse sim é que era um idealista. Eichmann foi um mercenário, um inteligentíssimo manipulador, um planificador meticuloso e maquiavélico - um homem totalmente desprovido de escrúpulos. Nesse sentido do mercenarismo foi banal, não no talento que colocou no desempenho do seu cargo e menos ainda no resultado que sabia estar a provocar com o seu zelo «administrativo» e com o seu florentinismo na manipulação dos líderes judeus. Por alguma razão o seu nome ressaltou entre tantos milhares de zelosos carrascos nazis.
Querida Cristina,
sem dúvida, eu peguei nisso mesmo para defender face ao escrito do Jans que esse encafuamento na hierarquia desvalorizava o homem até ao núvel da banalidade. Que nada desculpa, salvo na cabeça dele.
Beijo
PS: 1-3! Ai que vai dizer de mim pior do que do Eichmann!
Pronto, Meu Caro Jans, assim tido se harmoniza. Com efeito, reconheço que ele foi um (aaaaaaaargh) gestor muitíssimo competente, resvalando a banalidade para a ausência de fé e de carolice que ainda colocam acima, dentro do horror.
Abraço
Meu Caro Carlos Portugal,
vi na altura, creio que foi por Maio ou Junho, na Argentina, como é natural. Creio que foi parar a um museu. Talvez o Euro-Ultramarino, que vive no País, tenha mais pormenores.
Abraço
Caro carlos, respondeu - e bem - á minha interrogação, não me parecia que o meu amigo fosse defensor da versão oficial da história. O mito dos 6 milhões teve vários objectivos:
- iludir as pessoas sobre a razão para o morticínio nos campos de concentração: os bombardeamentos alidados, que deterioraram a rede abastecimentos e premitiram a propagação de doenças;
- criar uma força moral para os judeus que os mantivesse ao abrigo de críticas e fortalecesse o movimento sionista;
- menorizar as barbaridades aliadas (Dresden, Hiroshima, tratamento dos civis e militares alemães após as hostilidades, e um longo etc.);
- criar um complexo de culpa no povo alemão, certamente (e a história deu razão a essa hipótese) mais eficaz no prevenir futuro de uma Alemanha novamente belicista.
Houve muitas barbaridades do lado alemão e incontáveis outras no campo aliado. O sanguinário Churchill, adepto de campos de concentrção na áfrica do Sul, não tinha nenhuma moral para criticar os alemães; o seu prazer pessoal em arrasar cidades inteiras no reich, em matar civis indiscriminadamente e em destruir património cultural dizem muito sobre a natureza do sujeito.
"Carlos" com C grande; permitiram e não "premitiram". É o que dá escrever depressa.
Meu Caro FSantos,
daqui a bocado estás a defender que os campos foram uma iniciativa humanitária. Claro que só a atrocidade dos vencidos é punida, mas essa é a lei da História e é bom que assim seja. Serve para provar a falência das doutrinas da Raça Superior, a menos que a derrota seja o critério para superiorizá-la.
Churchill foi enorme, pôs um País nas últimas entre os vencedores e o seu Povo adora-o. Hitler afundou o muito que aunda restava da Alemanha, apesar dos traumas da grande guerra, e é uma assombração e um remorso para o seu. Não há comparação possível. É a distância entre o Orgulho Nacional e o falhanço da prosápia.
Neste caso a distinção fá-la pelo simples critério da vitória militar. Se Churchill tivesse perdido trocarias os termos? Quem o adora são os ingleses de hoje, à época apressaram-se a derrotá-lo nas eleições. E o buldogue de modo algum impediu a rápida decadência do Império e da Inglaterra, contribuindo para o acelerar da sua subalternização face aos EUA, dos quais como que se tornou o 51º estado.
Como sabes, eles deliram com essa "subalternização", acham que fizeram um negócio da China, com as colónias a arriscarem a pele para defender a Mãe-Pátria. Não são só os ingleses de hoje que gostaam dele, os do tempo voltaram a pô-lo no poder contra o Atlee que o vencera e deram-lhe funerais de Estado que, Monarcas reinantes à parte, só Wellington e Nelson tiveram. Não tenho dúvidas de que se o Reich tem ganho, a atrocidade aliada seria punida e a alemã escondida. Mas nunca, nos aliados ocidentais, se visou uma raça, por si só. Ganhar não dá razão quanto à doutrina, mas, porque referida a uma superioridade - o meio permanente que se consubstanciaria na impostura racial -, a derrota faz ruir o mito. Um grupo superior, por definição, não pode perder a favor do inferior. O "se" é uma hipótese com que não trabalho, normalmente. Chegam os factos.
Abraço
Hmmm...Também acho que as duas personagens não são comparáveis...
Nem intelectual, nem moralmente, nem em termos de capacidade política, Meu Caro TSantos.
Abraço
Sem qualquer dúvida.
Abraço
Meu Caro TSantos,
num único domínio poderiam suportar comparação, o da Oratória. E a de Sir Winston era de recorte muito mais durável e erudito...
Abraço
Nem nisso, acho eu. O Adolfo não tinha propriamente dom para a oratória. Limitava-se a gritar um conjunto de banalidades, que só funcionavam devido ao magnetismo da personagem (nesse aspecto, lembra-me um pouco o Fidel, esse outro Grande Democrata).
Abraço
Enfim, no que respeita ao Führer, sob o ponto de vista de prender a assistência e agitá-la... sonho de muito orador...
Claro que, como tudo o que envolva multidões, não faz o meu estilo, porém não pode ser a unilateralidade o critério analítico de apreciação da eficácia.
abraço
Enviar um comentário