quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Da Intervenção Pessoal

Leitura do escrito capital de Almada «Ver e a Personalidade de Homero», contido neste volume da Arcádia. Trata-se de texto mitógrafo de nível superior, que procura especulativamente - no sentido radical de reeflexo da imagem - transmitir a visão do Equilíbrio Grego como concepção fundamental da excelência do Homem, apreendido a partir da via média que disciplinasse a percepção humana da ocupação das dimensões espaciais, expressa nos princípios do Universal e do Individual, bem como da intuição da superação da temporalidade sem cair no atrevimento de pretender a Eternidade dos Deuses.
É na Totalidade que englobe as visões simétrica e transcendental que se digladiam e, triunfando uma ou ou outra, fazem decair, que pode residir a criatividade, numa balanceada ansiedade de contenção do Excesso e da Norma, cujos momentos Helénicos culminantes se encontrariam, por um lado, na vitória de Atena sobre Poseidon ao ver a sua concepção da melhor coisa, a Paz, emblematizada na Oliveira, superar a fugacidade da rendição incondicional ao predomínio da Estética, encontrado no Pégaso gerado pelo Deus dos Oceanos; e pelo outro na restauração por Aristóteles da magnitude cultural da Poesia, a herança Homérica genealogicamente continuada por Ésquilo, que fora posta em xeque por Platão.
Não se afunda esta simbólica no Esoterismo, embora manipule um discurso que refere o Hermético, pois o concreto das formas vistas desempenha sempre uma função imediata incompatível com as remissões socorridas de chaves do Oculto. Na plasticidade se oferece a prioridade que o número pode fazer equivaler, embora não substituir, fazendo da cegueira de um Homero considerado para além da biografia um achado expressivo das forças mutuamente contidas da Imaginação e da Memória, que não permita a emergência arrasadora de uma ou de outra, na herança insinuada pelas formas, antes da consagração escrita, a que leva o conceito essencial de Antegrafia.

2 comentários:

Anónimo disse...

S. Não estranho que Almada Negreiros como pintor e desenhador tenha dado maior importância às artes visuais na construção do mito.

O Réprobo disse...

Viva, Meu Caro Rudolfo. Mas nem todas as artes visuais. No livro ele autonomiza expressamente a pintura como conexa, sem mitigações, com o sentido da visão, enquanto que a escultura sofreria a concorrência do do tacto. E acrescenta o nome de escultores cegos, o que considera impossível num pintor. Daí a construção simbólica decorrente, nos moldes propostos.
Abraço