Sem Futuro
Sempre desconfiei de quem usa a Matemática para explicar o Mundo, por me parecer uma preocupação excessiva com a abolição do acaso. Mas se o universo constatado é, em última análise, redutível a um modelo numérico, não acredito na capacidade humana de utilizar um cálculo do ramo para conhecer o Futuro, seja na versão modesta, porque indiciária, que é a Estatística, seja na arrogância da vertente divinatória das numerologias.Menos ainda posso considerar a fantasia de um americano contemporâneo cujo negócio é números, ao vender-se como paralelo de um profeta célebre, alegando que apenas recorre ao cálculo para prever. Apesar de versado em Matemáticas e de, possivelmente, as ter aplicado na investiação astrológica, não foi nessa disciplina que Nostradamus fundamentou as suas predições, o seu método assentava na contemplação nocturna do que os reflexos de uma chama na água lhe sugeriam, como ilustra a imagem que fui buscar aqui. E, voltando ao caso em apreço, prever a vitória de um Democrata nas Presidenciais dos EUA, ou a não-utilização iraniana para fins bélicos de tecnologia nuclear a que aceda, parecem-me antevisões muito rascas: não sei se será ou não esse o desfecho eleitoral, mas é fácil constatar que é aquele que a grande maioria dos observadores prognostica, mesmo sem as credenciais do sapiente opinador; e a segunda certeza é das que nunca poderão ser infirmadas - ou os Persas não desencadeiam a catástrofe, o que lhe dará razão, ou desencadeiam. E, então, não sobrará quem quer que seja para lhe cobrar o erro...
10 comentários:
Caríssimo Amigo:
O meu Pai era matemático, e sempre disse que a Matemática era apenas uma ferramenta que, com a concorrência das outras Ciências, nos podia ajudar a COMEÇAR a compreender a realidade que nos rodeia.
Um modelo matemático de um fenómeno - e ainda mais do Universo - pode estar certo matematicamente, mas não corresponder minimamente àquilo que quer descrever. Ou então não ter solução possível. E isto acontece na maior parte dos casos.
É quase como uma criança que desenha um avião que vê a passar no céu: de início, o seu desenho é tosco, não é nada parecido - nem sequer vagamente - com o avião real, mas para a criança é «o avião». Depois, vai crescendo e aperfeiçoando o desenho, até que, eventualmente, este se torne numa obra-prima - que continua a não ser o avião, mas apenas uma representação muito tosca deste.
O que se passa com estes novos-ricos da Ciência, que querem transformar na nova religião, é a sua crença absurda no reducionismo. Como o Universo e a trama do espaço-tempo - e, consequentemente, do Destino - são demasiado complexos para a compreensão humana, eles reduzem-nos, «simplificam-nos», de modo a ajustá-los aos modelos matemáticos pré-concebidos. É uma espécie de «O Universo para Tótós»...
Só que o «universo» assim reduzido e amputado não é de forma alguma «O» Universo, assemelhando-se os ditos pseudo-cientistas armados em novos sacerdotes/adivinhos a outros miúdos do exemplo acima que, incapazes de analisar o avião que vêm, se limitam a copiar uma «versão simplificada» do rabisco do primeiro miúdo.
Já Sir Isaac Newton dizia que temos de ter a humildade de nos apercebermos que a nossa compreensão da Realidade é muito limitada, e que as leis e equações apenas nos podem dar uma aproximação dessa realidade. Assim, ao enunciar uma lei da Física, por exemplo, ele dizia que ela não era, nem podia, ser absoluta, mas era apenas válida no «presente estado de conhecimento». Ou seja, desenhamos o avião do miúdo e ficamos todos contentes... Enfim, dá-nos para fazer gadgets interessantes, a que chamamos «progresso», mas já é um começo.
Um grande abraço.
Agora veja o Caríssimo Carlos Portugal o que é a maximização dessa arrogância, ao ponto de descrever não já o que se pode verificar como construído, mas o que há-de acontecer!
O perigo está não na proção destes auto-suficientes especuladores, mas na perda da noção da especificidade do humano sem tradução em algarismos e apenas captável por simbologias mais latas no plano da realização cultural. Mas disso querem eles lá saber!
Abraço apertado
Caríssimo
Subescrevo totalmente o comentário anterior.
Com efeito, a verdadeira Ciência é probabilística e, por isso, dinâmica. Não há "verdades absolutas" em Ciência, por muito que as pessoas (e até alguns cientistas) o pensem, ou desejem...
E que dizer então da pseudo-ciência que se espalha na adivinhação?!
Abraço
Caríssimo TSantos:
A ideia de «verdades absolutas» na Ciência lembra-me de imediato a tirada - de extrema arrogância e pouca inteligência - de Lord Kelvin, nessa segunda metade do Séc. XIX, em que este dizia que «para além de duas pequenas dúvidas, já se tinha descoberto tudo o que havia para descobrir na Física».
Pois é... uma dessas «pequenas dúvidas» deu a Teoria da Relatividade, e a outra a Física Quântica... E as «dúvidas» aumentaram quase até ao infinito.
Caríssimo Paulo:
A tentativa de tudo controlar e planificar (as surpresas são más para o negócio) leva a essa arrogância e a essas tiradas fruto de uma pseudo-ciência, como muito bem diz. Querem moldar o futuro aos interesses deles, e já caíram numa realidade virtual da qual nem sequer têm a noção do absurdo, do ridículo.
E o tal reducionismo leva-os a descartarem tudo aquilo que não compreendem, tudo aquilo que não podem quantificar, ou seja, as maiores riquezas da espécie humana - e não só - que se sentem, que se avaliam qualitativamente, mas que não têm quantidade, pois esta é infinita porque imaterial e divina.
Um abraço aos dois.
Com a agravante de fazer previsões de chacha num jogo de ricochetes de legitimações entre o prestígio que a Matemática traga à profecia e vice-versa.
A fraude!
Abraço, Caro Carlos Portugal
Caro Carlos
"E as «dúvidas» aumentaram quase até ao infinito."
Exacto, e essa é uma das belezas da Ciência. Nunca dar nada como "definitivo", manter a mente aberta e questionar sempre...
É claro que isto deve ser anátema aos olhos de muito boa gente...o que explica (mas não desculpa) a pseudo-ciência que tão bem definiu...
Paulo
Mais uma vez, comentário certeiro. O que me preocupa é a confusão (deliberada) entre a Ciência e as pseudo-ciências. Estas são-nos vendidas como "ciência".
Num país quase completamente desprovido de espírito científico, que não conhece a "praxis" científica, nem mostra interesse (segundo as últimas sondagens) por assuntos de Ciência, estes vendedores de banha-da-cobra encontram o terreno perfeito para actuar...
Abraço
Caro TSantos o que muito oportunamente trazes à colação é altamente revelador. As pessoas estão tão desiludidas que caem na esparrela de ver a ciência como uma forma de magia, que lhes resolva istantaneamente os problemas e permita ver o que vai ser.
Ab.
Precisamente...e isso é preocupante.
Até porque quer a disponibilidade de o acreditar, quer o desmentido, podem deixar as gentes permeáveis a patranhas de dimensão ainda maior.
Abraço
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