terça-feira, 17 de junho de 2008

Memória Desfolhada

Ao devorar este magnífico postal da Cristina fiquei cheio de problemas de consciência por me não lembrar do primeiro livro que li, autonomamente. Tal como o Nuno Castelo-Branco, também fui ensinado a ler pela minha Avó, aos cinco anos, depois de me ter indignado por ter de esperar que Ela me descodificasse as legendas da série «Uncle Bill/Os Meus Sobrinhos», que dava na TV à hora do almoço. Mil vezes ouvi repetida a frase lapidar que terei largado então, talento que entretanto me abandonou:
- Oh Michão (petit nom familiar), é uma vergonha, com cinco anos, não saber ler!
A Pedagoga aproveitou:
- Pois é, meu filho.
E ensinou-me.

Mas voltemos à questão por dilucidar. Fui confrontar a mente materna, ainda muito apta a reproduzir lembranças, desde que antigas. E ambos concordámos que teria sido um dos livros de aventuras da série do Pimpão, um cãozinho simpático que, com o seu amigo maior, o Plutão, vivia as várias experiências e ofícios humanos.
Assim, «Pimpão Bombeiro», «Pimpão Electricista», «Pimpão Mergulhador»...
Aquele de que me ficou impressão primeira foi o «Pimpão Chefe de Orquestra» Deve ter sido o precursor.
Leio em Sousa Bastos que as primeiras letras oitocentistas eram ministradas pela carta do ABC, pelos traslados do Godinho, pela tabuada, pela cartilha do Pe. Inácio e pelo Método facílimo do Conselheiro Aquiles Monteverde, até que surgiram os expedientes inovadores e entre si inimigos de João de Deus e Castilho. Nunca a minha aprendizagem passou por aí, embora haja conhecido, mais tarde, a obra do Autor de «Campo de Flores», para matar a curiosidade.
Comecei por juntar uns cubos com letras e fizeram-me saltar logo para estas imaginativas aventuras com ilustrações sedutoras, onde as mais vulgares circunstâncias da vida eram apresentadas como maravilhosas aplicações de cada um, não se dando olhos, ouvidos ou eco aos males do Mundo, o que, escapando à fantasia alienante dos contos de fadas era a própria definição de Sabedoria dos três macacos nipónicos.

21 comentários:

Cristina Ribeiro disse...

A junção das letras em cubos lembrou-me a que começou uma sobrinha a fazer, penso que com idade idêntica, mas das letras que assinalavam, na garagem colectiva do prédio onde vive, o lugar de estacionamento de cada condómino; só que as letras, que a mãe lhe ia desvendando, eram todas maiúsculas, pelo que bastava mostrar-lhe uma palavra com minúsculas para que ficasse baralhada :)
Beijo, Paulo

O Réprobo disse...

Ah, essa está óptima!
Tenho a impressão, Cristina, de que tinha também minúsculas nos cubitos. Mas lá está, a excelência da metodologia salta à vista.
Beijo

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

o meu primeirinho ainda só soletrava e demorava uma eternidade a chegar ao final de uma linha, foi a Maria Papa-Léguas. Tinha 5 anos. Ainda o tenho, marcado a lápis com barras, para quando interrompesse, não fosse esquecer a palavra em que ia...

risos

fugidia disse...

:-)
Não me lembro do primeiro livrinho: aprendi a ler em português e inglês ao mesmo tempo, depois de muitas aventuras por "exóticos" países, e não me recordo das primeiras experiências.
Mas lembro-me de iniciar a 2.ª classe em Portugal, muito mais tarde do que os coleguinhas (já em finais de Novembro), e ficar indignada pelo facto da senhora professora não querer acreditar que eu sabia ler e escrever (risos).
Impertigada, li a história daquele dia (sobre um velho e o seu burro) e recordo-me da cara dela de espanto :-D
(é que o meu pai foi sempre muito rigoroso e exigia que soubéssemos ler com boa entoação, pontuação e, sobretudo, alma...)
:-)

Anónimo disse...

Réprobo,
não lembro de ter lido nenhum livro antes de "As pupilas do Senhor Reitor".
Tava na estante da casa da minha vó. Peguei, li e li todos os outros que estavam lá.

Tinha uns oito anos. Mas já sabia ler desde o dois (bizarro, mas minha mãe me ensinou com essa idade, mesmo...)

abç

ah! passa lá pra ver meus lugares preferidos em recife...

marilia

aindapodiaserpior.blogspot.com

Beatriz disse...

Rép, essas lembranças narradas em seu estilo gracioso e be´-humorado, transportam para minha primeira leitura: Monteiro Lobato, escritor controvertido no Brasil onde a ideologia(não só no Brasil) impede a apreciação livre da arte.
Ese cães e macacos sábios, com certeza, abriram caminhos para sua cultura de hoje que tanto me estimula e alimenta.
Obrigada pelo comentário sobre o Centauro. Achei divino.PS: o ideal dos pais, avós sempre nos cobram alguma coisa. Vc demorou a ler e eu a falar. Esre texto ainda trará lembranças a mim.
Obriga mais uma vez
mille vaci
Bea

Xantipa disse...

Caríssimo Paulo,

Este seu postal avivou-me algumas memórias. Não me lembro de aprender a ler, mas lembro-me de não saber ler. Tenho a imagem de estar sentada na barriga da minha irmã (que tem mais 8 anos), enquanto ela lia e perguntar por que os olhos estavam sempre a mexer de um lado para o outro. Achava aquilo fascinante!
Lembro-me de uns livros que lia na biblioteca da Gulbenkian, o Pequenu, que nunca vi à venda.
Lá em casa havia muitos livros, para todas as idades. Lembro-me de ler as Aventuras do Nodi e do seu amigo Orelhas Grandes (agora voltaram a estar na moda).
E gostei de ler a referência a «Os meus Sobrinhos», pois quando falo com amigos, ninguém se recorda. Havia essa série e uma outra, policial, de que também ninguém tem memória: Randall& Hopkirk (que eu dizia "Opecaique"), em que um dos detectives era fantasma. Lembra-se?
Bem, obrigada por estes bocadinhos!
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Júlia,
bom, o ritmo de leitura poderia não ser o de hoje, mas «...Papa-Léguas» já indicava as muitas linhas a serem devoradas no Futuro, pela Amiga dos Livros.
Uma delícia,os pormenores de conservar o volume e das marcas!
Bj. & b.q., pois!

O Réprobo disse...

Querida Fugidia,
também cheguei à Primária lendo muito benzinho, já. Esse bilinguismo ditado pelas circunstâncias é notável! Não prejudicou a aprendizagem o diferente valor fonético das letras?
Beijinho

O Réprobo disse...

Vou já lá, Querida Marília.
Puxa, Doooois anos? Isso é que é precocidade!
«As Pupilas...», é claro foram um livro iniciático para muita gente na leitura da língua portuguesa. Também foi uma das primeiras leituras da minha Mãe, embora não possamos precisar se a primeira.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Bea,
ah sim, Monteiro Lobato, tenho para aí Kipling traduzido por ele, creio.

É mal de todos os países, a mistura da doutrina política e da capacidade artística, mas que fazer? Orelhas moucas às palavras loucas, já se vê.

O comentário sobre o Centauro foi uma alusão à potenciação da fantasia da Invocadora que a fidelidade à acepção mais ortosoxa do ser mitológico poderia traduzir - a tomada à força como despertadora da libido, em prejuízo do ideal de fusão de tudo abarcar...

Ainda bem que prevê esse efeito re-memorizador. Quem sabe, dará conta dele no «Compulsão Diária»?
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Xantipa,
Ah, o Nodi! A Blyton era uma drmadora magnífica, começando por esse, e, à medida que a miudagem crescia, passando para os Sete,, Cinco e os meus favoritos, a colecção «Mistério», com o polícia Arreda em bombo da festa.
Dessa série com o fantasmagórico investigador guardo uma vaga ideia, muito difusa. Lembro-me melhor de outra, que dava no horário do «Uncle Bill», com um golfinho muito simpático.

Belíssima, a conta do espanto da Pequenota seguindo o trabalho dos olhos ledores da Mana. foi a vocação filosífica a despontar?
Beijinho

Anónimo disse...

Meu Caro, um excelente post, uma leitura agradibilíssima.

O Réprobo disse...

Obrgadíssimo, Meu Caro Mike.
Não quer deixar-nos um contributo sobre uma das Suas primeiras leituras, cá ou Lá, Desconversando?
Abraço

Anónimo disse...

Caro Réprobo, com todo o prazer, mas isto não anda fácil, com o tempo orientado quase exclusivamente para o trabalho.

O Réprobo disse...

Meu Caro Mike,
Valha-me Deus! Não Se deixe tomar pelas obrigações a esse ponto, Caríssimo.
Abraço

Beatriz disse...

Convite-desafio de Rép? Irresisitível. Tentarei!

Beatriz disse...

Paulo, aceitei o convitedesafio. Vai lá ver a droga que saiu!

O Réprobo disse...

Querida Bea, isso é que não acredito! De Si só pode ver coisa boa.
Vou já para lá.
Beijinho

Anónimo disse...

Olá Paulo

aprendi a falar em espanhol e inglês e foi difícil quando entrei na primeira classe, porque de português mal dizia duas frases seguidas sem pôr pelo meio o espanhol e o inglês.
Mas comecei pela Condessa de Ségur com Os Desastres de Sofia, mas já tinha sete anos e continuei com Enid mas com os Cinco.

Hoje, quinta-feira editei o texto com a imagem da Ampulheta.

Beijinho e obrigado

O Réprobo disse...

Magnífico, Querida Minucha,
os Cinco sã muito mais adultos na trama e nos comportamentos do que os outros, mesmo os da «Mistério», que seriam para a mesma idade.
Uma provocaçãozinha - um certo aristocrata francês nunca deixou que os respectivos rebentos lessem a Condessa de Ségur, porque, dizia, todos os filhos dela tinham acabado mal.

Vou visitá-La, daqui a nada.
Beijinho