quarta-feira, 25 de junho de 2008

Empurrar a Realidade

O caso do jornalista macedónio que se transformou em serial killer para arranjar histórias que contar tem dois termos de comparação que imediatamente me ocorrem: o do jovem incendiário florestal português que, sendo bombeiro, ateava os fogos, para se incluir na camaradagem e interesse de apagá-los; e a problemática de «The Big Carnival/Ace In The Hole», de Billy Wilder, onde um fura-vidas da imprensa, interpretado por Kirk Douglas, força o salvamento de um homem subterranamente encerrado pelo processo mais demorado, para poder explorar o filão noticioso e, até, transformar o local em atracão turística.
É uma consequência da idolatria da profissão, a qual, começando na Sociedade Burguesa, passou para esta zona cinzenta que se gostaria de ver como ultrapassagem dela. Explorando o desequilíbrio que haja em si, a partir do momento em que se incuta a necessidade de conseguir interessar as massas e não inventar histórias, concomitantemente, corre-se sempre o risco de ductilizar a Verdade, ao ponto de esbater a fronteira nítida de cobertura e criação dos factos noticiosos e a noção não poderem coincidir, sob pena de se transformar numa encenação, apesar da irreversibilidade trágica dos sacrifícios que a integraram.
Nesse sentido, o suicídio do monstruoso reporter na cela acaba por ser o castigo supremo dentro da impermeável ordem de valores a que se vinculara - a morte auto-infligida pela qual conseguiu uma manchete ainda maior já não foi por si acompanhada nos Media. Quem tudo quer tudo perde e a condição profissional foi a primeira a ceder.

2 comentários:

ana v. disse...

Caso estranho, este! Ao que leva a necessidade de protagonismo e, talvez mais ainda, a solidão... porque é a solidão que encontramos sempre no fundo destas histórias.
Mas não concordo com a sua conclusão, Paulo: o suicídio foi a última e suprema glória do homem, e não um castigo. Porque ele deve ter saboreado com prazer o efeito que isso teria no público e nos media, por antecipação, enquanto planeava cada passo...
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Ana,
claro que, tendo realmente havido suicídio, foi isso que o determinou. A ironia está na impossibilidade de ser ele a cobri-lo, ao contrário das outras mortes. Não se demitiu de matador, mas não houve como fazer a reportagem do facto consumado.
E o combate à solidão está por detrás destas conditas, sem dúvida, conforme confessado com mais inocência pelo pirómano/bombeiro. Mas, sem o peso do crime, a procura de notícias, tantas vezes chocantes, por leitor ou ouvinte, ou telespectador, não o será também?
Beijinho