terça-feira, 10 de junho de 2008

Camões, Modo de Usar

Camões. No dia Dele, uma biografia pouco vista mas bastante competente e nada enviesada, ao contrário das apropriações do Épico que, quanto a mim, ainda foi mais esplendoroso Lírico. Em baixo, o começo do martírio post mortem, com a imagem da colocação da primeira pedra no monumento da praça que Lhe tomou o nome, assemelhando-se o toldo, profeticamente, ao formato de um cadafalso. A partir do Ultimatum de 1890, transformar-se-ia, após os panos negros colocados lá pela estudantada, em local de romagem de todos os Republicanos subversivos, com campanhas para afastar das concentrações a própria Família Real que se associara à construção do Monumento. Como no Pós-Abril, se reduziu a pó a História pessoal, em tudo o que era teatro experimental transformado em revolucionário e oprimido, como hoje, celebrado pelos poderes que não quiseram morrer pela Pátria e se vão entretendo em celebrar uma universalidade sem sentido, porque desvinculada da presença auto-suficiente, com hossanas que soam a falso ao Grande que dissse ao menos morrer com a Pátria.
Pela própria perda de uma vista, aproxima-se da vidência do Poeta Cego, presente ao longo de várias fases do imaginário do Ocidente. O que celebrou foi a magia do Império e a Grandeza dos Reis. Mas do uso que Lhe deram será ele o único que não pode ser culpado.

12 comentários:

Xantipa disse...

Tive a sorte da minha professora de Literatura Portuguesa II, a malograda Margarida Vieira Mendes, ter no programa toda a lírica de Camões. Adorei! Foi uma descoberta aos 19 anos! Li tudo e mais de uma vez. Deslumbrou-me e tocou-me muito mais que os Lusíadas, tenho de admitir.
Um beijinho para si
da
Adriana

Cristina Ribeiro disse...

Gosto da Lírica Camoniana, mas coloco acima de tudo o Épico. Ler «Os Lusíadas» provoca-me sempre pele-de-galinha...
Beijo, Paulo

O Réprobo disse...

Querida Xantipa/Adriana,
ah, a Grande Margarida VM! Claro que também gosto da epopeia, simplesmente a extensão e o cânone obrigam, evidentemente, a que não se mantenha idêntico o nível de genialidade em todas as partes do poema. Quantos versos não perdemos, no bloco imenso?
Já na Lírica a esmagadora maioria das estrofes permanece memorável.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
claro que o Motivo Nacional e o encontro com o seu Bardo comovem sempre e é por essa via que ele encontra o prestígio exemplar que incita às colagens. Eu falava da perspectiva do engenho da totalização poética, o qual mobiliza cada elemento dos Sonetos, por exemplo, enquanto que em «Os Lusíadas» grande parte dos encaixes servem de pedestal e guarida rítmicos à parte forçosamente menor dos passos de génio.
O que é redimido pela atitude em face do Tema, claro.
Beijo

ana v. disse...

E julgue-o que não pode experimentá-lo...

Anónimo disse...

Que gravura (ou será desenho?) magnífica, Paulo. E especialmente bem reproduzida neste significativo dia. Pobre, Grande e infeliz Camões... se ele pudesse ter voltado e tivesse assistido aos atentados vís que o seu Nobre nome sofreu ao longo dos anos e até há bem pouco tempo, morreria novamente de desgosto. Ele que tanto amou e tão brilhantemente cantou Portugal. E contudo, consciente do seu imenso valor, igualmente saberia que os Gigantes como ele não morrem e que, após ter vivido o seu tempo terreno, seria eternamente glorificado através da marca indelével deixada na memória do seu Povo. E este engrandecimento é sómente reservado aos Maiores de uma Nação. Como o foi e é Luís de Camões.
Mal imaginava um dos nossos maiores Heróis que quatro séculos após o seu desaparecimento, um punhado de traidores destruiría a sua Pátria adorada e que, durante as décadas seguintes e ano após ano, os mesmos se apropriariam do seu nome para, naquele que se convencionou ser o Seu dia, condecorar bandos de farsantes, criminosos e traidores. Tão Glorioso nome não merecia estar associado a tão indigna gente.

Cumprimentos Paulo
Maria

O Réprobo disse...

Já se sabe, Querida Ana. É o fado da crítica...
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Maria,
sim, o que começou por um reconhecimento da genialidade artística ao serviço do... Génio Nacional, com a trasladação para os Jerónimos, passou a descambar após a construção do monumento de que a imagem representa o início. Prenúncio dos mais espúrios aproveitamentos - que não meras releituras lícitas -, as quais toda a vida do Poeta Nacional indica que lhe repugnariam.
Ainda bem que gostou da ilustração, um desenho de Nogueira da Silva, que, por precipitação, não creditei.
Beijinho

Beatriz disse...

Gosto daqui e de seus textos. Faço o possivel para ler seus outros textos em tantos espaços que escreve. gostaia de poder coentar em todos eles. aos pouos, aos poucos .
Sem olhos vi o mal claro
Que dos olhos se seguiu,
Pois cara sem olhos viu
Olhos que lhe custam caro
De olhos não faço menção;
Pois quereis que olhos não sejam:
Vendo-vos, olhos sobejam;
Não vos vendo, olhos não são.
(CAMÕES)
*quisera eu ser a dama

O Réprobo disse...

Querida Bea,
hoje em dia, escrever só aqui, apenas comentando em Blogues Amigos que contêm coisa muito melhor do que o meu pobre contributo.
Grato pelas palavras. Os versos são espantosos e que Mulher não quereria ser a Destinatária deles?
Beijinho

Anónimo disse...

"... que contêm coisa muito melhor do que o meu pobre contributo". Não seja modesto Paulo. Sabe muito bem que os seus textos são de excepcional qualidade e não sou só eu, que não sou ninguém, quem o afirma. São todos quantos têm a honra de o ler.
E, como não, agradeço-lhe as suas lúcidas palavras relativamente ao nosso Maior dentre os Maiores. Deculpe só hoje o fazer, mas só mesmo agora li a sua resposta.
Maria

O Réprobo disse...

Obrigado, Querida Maria, juízis tão generosos dão ânimo, claro está.
Beijinho