segunda-feira, 23 de junho de 2008

Lisboa a Arder

Poucas datas como a de Véspera de São João, misturam tanto Paganismo e Cristianismo. Nem o Natal, apesar da conhecida determinação cultual solar aureliana. Ainda no rescaldo do Solstício de Verão, desde o Brasil do feriado à Inglaterra das Fadas, do mundo Germânico dos cortejos fantasmagóricos à Ucrânia de onde esta fotografia é tirada, o folclore dos saltos de fogueira e dos augúrios a moças casadoiras são uma constante herdada dos tempos em que o matrimónio era apetecido com fervor por mais gente do que alguns elementos da Comunidade Gay. Vindo-se a suavizar o processo, passados tempos de outra barbárie como os de sacrifícios de animais para alegria das multidões, esbatendo-se até a matança do porco (a ASAE não podia ser totalmente condenável), fica o festejo na vertente de Excesso reduzido às inofensivas acrobacias sobre as brasas, mais condizente com a comemoração cristã do dia. É um dos raros festejos de nascimento e não de morte de Santos, juntamente com o de Jesus e o de Nossa Senhora, pois a génese de São João teria ocorrido com libertação do Pecado Orignal, pelo processo da Graça concedida a Santa Isabel, cuja idade e esterilidade não permitiam a concepção natural. Mas é ainda o do nascimento da codificação musical, já que o hino do Breviário para este dia, cantado na benção do fogo, Ut queant laxis, foi a matriz das notas musicais, legado inestimável desse Paulo O Diácono (não eu, D. Ana Vidal), entretanto caído no esquecimento. Do, Re, Mi, Fa, So, La, Ti, Do. com o Ut inicial reduzido a Do, por comodidade expressiva:

Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum,
Solve polluti
Labii reatum, Sanc
Te Ioannes

E o sempre interessante Sousa Bastos conta que ainda em finais do Séc.XIX era vulgar os salaricos de fogos acesos nas principais praças de Lisboa, desmentindo a exclusividade portuense na predilecção pelo Baptista. Mas eram tempos em que essas ardências não arrastavam consigo o Chiado inteiro, ou, como hoje, a tesouraria da Câmara.

4 comentários:

ana v. disse...

As coisas que eu aprendo consigo, meu caro Paulo Diácono II! Gostei muito de saber a origem da escala musical, que não conhecia de todo.

Só uma ressalva: a matança do porco é um ritual de Inverno, não de Verão. Antes dos frigoríficos só havia o sal e os fumeiros para conservar as carnes, e seria impossível que não se estragassem com as temperaturas altas da época em que estamos.

Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Ana,
sem dúvida é assim nas "migrações" para as terras, em fesividades que costumam prolongar-se. Na metrópolee, porém, parece ter havido menos compartimentação epocal, talvez por o consumo ser mais imediato, mesmo com prejuízo da plena degustação da carne.
O mesmo erudito diz-nos que estes tristes espectáculos se desenrolavam um pouco por toda a cidade:
"Se até a matança dum porco em qualquer rua era motivo para grande ajuntamento e grande galhofa! Depois de sangrado, fazia-se a fogueira, em que o animal era chamuscado. Acabada a operação, a fogueira ficava, para gáudio dos populares que ao desafio a saltavam.".
Mas claro que isto foi bem antes de nós nascermos.
Beijinho

ana v. disse...

Foi mesmo, Paulo? Pois fique sabendo que, no Alentejo, a matança do porco continua a ser exactamente assim, sem tirar nem pôr...
Beijinho

O Réprobo disse...

Acredito, Querida Ana; referia-me à capital, onde nunca topei com coisas dessas, Louvado seja Deus.
Beijinho