Turismo do Passado
Suzanne Chantal, a quem o nosso País deve muita atenção e um difundido estudo da vida quotidiana setecentista, publicou, em certo número da revista «Historia» de 1963, esta gravura de Mulheres Portuguesas na Sua Casa; e o seguinte trecho, a todos os títulos surpreendente, acerca da parte feminina da Aristocracia pós-Terramoto:
Elas passam os dias agachadas nos ladrilhos dos quartos, com as portadas das janelas fechadas, mascando longamente pedaços de alcarazas que lhes dão bom hálito e lhes fazem os dentes belos, brincando com cãezinhos ou escutando um escravo salmodiar queixas voluptuosas e tristes.
Odaliscas, têm-lhes também o trajo: uns corselets de veludo muito decotados, écharpes de seda mole que lhes deixa a cintura livre, largas calças de gaze ou tafetás à turca, pés nus nas babuchas. Algumas trazem mesmo um turbante sobre os seus cabelos soberbos, soltos ou entrelaçados de fitas e pedrarias. mas uma cruz de ouro pende de uma fita de veludo ou de um colar precioso, entre os seus seios semi-nus.Gostava de saber a que fontes terá recorrido. Isto cheira-me a impressão de algum visitante estrangeiro que haja tomado pequeníssima parte da realidade, senão uma fantasia unilateral dela, pelo todo. Muitas das fontes que lemos dão a Corte como seguindo as modas francesas e, inclusivamente, o censuram. E de reclusão, nicles, pois o que andou em voga foi abrigo em tendas e divertimento na rua, que terão feito até José Acúrcio Tavares (Bento Morganini) dizer que o que as nossas elites queriam era só barraca. Também o trajar era resolutamente europeu, conforme documenta a gravura seguinte.Só descortino duas vias de explicação - ou a amplificação de uma desconformidade de costumes com a de uma atmosfera próxima da de «As Ligações Perigosas», ela própria com valor mais vanguardístico do que exemplificativo, ou a sede de exotismo que se iniciara antes, como o Grand Tour e continuaria a seguir, com o Romantismo, desejosa de se deixar prender à fascinação da atmosfera de harém, mas inclinada a procurá-la numa franja da Cristandade, sem as repulsas despertadas pela barbárie colada às imagens de marca Turca ou Árabe.
Elas passam os dias agachadas nos ladrilhos dos quartos, com as portadas das janelas fechadas, mascando longamente pedaços de alcarazas que lhes dão bom hálito e lhes fazem os dentes belos, brincando com cãezinhos ou escutando um escravo salmodiar queixas voluptuosas e tristes.
Odaliscas, têm-lhes também o trajo: uns corselets de veludo muito decotados, écharpes de seda mole que lhes deixa a cintura livre, largas calças de gaze ou tafetás à turca, pés nus nas babuchas. Algumas trazem mesmo um turbante sobre os seus cabelos soberbos, soltos ou entrelaçados de fitas e pedrarias. mas uma cruz de ouro pende de uma fita de veludo ou de um colar precioso, entre os seus seios semi-nus.Gostava de saber a que fontes terá recorrido. Isto cheira-me a impressão de algum visitante estrangeiro que haja tomado pequeníssima parte da realidade, senão uma fantasia unilateral dela, pelo todo. Muitas das fontes que lemos dão a Corte como seguindo as modas francesas e, inclusivamente, o censuram. E de reclusão, nicles, pois o que andou em voga foi abrigo em tendas e divertimento na rua, que terão feito até José Acúrcio Tavares (Bento Morganini) dizer que o que as nossas elites queriam era só barraca. Também o trajar era resolutamente europeu, conforme documenta a gravura seguinte.Só descortino duas vias de explicação - ou a amplificação de uma desconformidade de costumes com a de uma atmosfera próxima da de «As Ligações Perigosas», ela própria com valor mais vanguardístico do que exemplificativo, ou a sede de exotismo que se iniciara antes, como o Grand Tour e continuaria a seguir, com o Romantismo, desejosa de se deixar prender à fascinação da atmosfera de harém, mas inclinada a procurá-la numa franja da Cristandade, sem as repulsas despertadas pela barbárie colada às imagens de marca Turca ou Árabe.
7 comentários:
Eu diria que a ilustre visitante "aterrou" nalguma festa privada evocativa de um Harém, e tomou a nuvem por Juno. Mas se nos diz que "o nosso País lhe deve muita atenção e um difundido estudo da vida quotidiana setecentista", então já não percebo. Talvez seja isso: sede de exotismo, numa atmosfera pós-catástrofe sempre propícia a desvarios.
Querida Ana,
pois, tenho cá um Espírito Santo de orelha que me sugere que a Estudiosa tenha lido as impressões de viagem de algum compatriota desembarcado numa desas festinhas, ehehehehehe.
E daí à generalização... é uma suma tentação!
Beijinho
PS- Apesar de, hoje, poder perfeitamente incorrer no mesmo erro quem, semanas atrás, visse uma Beldade minha Amiga passear-Se em djilaba pela Tróia portuguesa...
Beijinho
LOL. A "beldade" agradece, mas neste caso é só mesmo a farpela!
Essa de
"...passar os dias agachadas nos ladrilhos dos quartos, com as portadas das janelas fechadas, mascando longamente pedaços de alcarazas que lhes dão bom hálito e lhes fazem os dentes belos, brincando com cãezinhos ou escutando um escravo salmodiar queixas voluptuosas e tristes..."
não é bem para esta Sherazade... se bem que um escravo não fosse má ideia...
Pois,mas para salmodiar indol�ncias langorosas? N�o creio que fosse grande emprego...
Beijinho, Querida Ana
Aterrar ou descolar são verbos que têm pouca importância para o caso. Ou melhor, eu tive a sorte de aqui aterrar e de O ler. E gostei.
Ainda bem que veio, Meu Caro Mike, estes aeroportos ganham prestígio quando são frequentados por Aviões conceituados, como, indubitavelmente, é o Caso.
Abraço
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