domingo, 1 de junho de 2008

Turismo do Passado

Suzanne Chantal, a quem o nosso País deve muita atenção e um difundido estudo da vida quotidiana setecentista, publicou, em certo número da revista «Historia» de 1963, esta gravura de Mulheres Portuguesas na Sua Casa; e o seguinte trecho, a todos os títulos surpreendente, acerca da parte feminina da Aristocracia pós-Terramoto:
Elas passam os dias agachadas nos ladrilhos dos quartos, com as portadas das janelas fechadas, mascando longamente pedaços de alcarazas que lhes dão bom hálito e lhes fazem os dentes belos, brincando com cãezinhos ou escutando um escravo salmodiar queixas voluptuosas e tristes.
Odaliscas, têm-lhes também o trajo: uns corselets de veludo muito decotados, écharpes de seda mole que lhes deixa a cintura livre, largas calças de gaze ou tafetás à turca, pés nus nas babuchas. Algumas trazem mesmo um turbante sobre os seus cabelos soberbos, soltos ou entrelaçados de fitas e pedrarias. mas uma cruz de ouro pende de uma fita de veludo ou de um colar precioso, entre os seus seios semi-nus.
Gostava de saber a que fontes terá recorrido. Isto cheira-me a impressão de algum visitante estrangeiro que haja tomado pequeníssima parte da realidade, senão uma fantasia unilateral dela, pelo todo. Muitas das fontes que lemos dão a Corte como seguindo as modas francesas e, inclusivamente, o censuram. E de reclusão, nicles, pois o que andou em voga foi abrigo em tendas e divertimento na rua, que terão feito até José Acúrcio Tavares (Bento Morganini) dizer que o que as nossas elites queriam era só barraca. Também o trajar era resolutamente europeu, conforme documenta a gravura seguinte.Só descortino duas vias de explicação - ou a amplificação de uma desconformidade de costumes com a de uma atmosfera próxima da de «As Ligações Perigosas», ela própria com valor mais vanguardístico do que exemplificativo, ou a sede de exotismo que se iniciara antes, como o Grand Tour e continuaria a seguir, com o Romantismo, desejosa de se deixar prender à fascinação da atmosfera de harém, mas inclinada a procurá-la numa franja da Cristandade, sem as repulsas despertadas pela barbárie colada às imagens de marca Turca ou Árabe.

7 comentários:

ana v. disse...

Eu diria que a ilustre visitante "aterrou" nalguma festa privada evocativa de um Harém, e tomou a nuvem por Juno. Mas se nos diz que "o nosso País lhe deve muita atenção e um difundido estudo da vida quotidiana setecentista", então já não percebo. Talvez seja isso: sede de exotismo, numa atmosfera pós-catástrofe sempre propícia a desvarios.

O Réprobo disse...

Querida Ana,
pois, tenho cá um Espírito Santo de orelha que me sugere que a Estudiosa tenha lido as impressões de viagem de algum compatriota desembarcado numa desas festinhas, ehehehehehe.
E daí à generalização... é uma suma tentação!
Beijinho

O Réprobo disse...

PS- Apesar de, hoje, poder perfeitamente incorrer no mesmo erro quem, semanas atrás, visse uma Beldade minha Amiga passear-Se em djilaba pela Tróia portuguesa...
Beijinho

ana v. disse...

LOL. A "beldade" agradece, mas neste caso é só mesmo a farpela!
Essa de
"...passar os dias agachadas nos ladrilhos dos quartos, com as portadas das janelas fechadas, mascando longamente pedaços de alcarazas que lhes dão bom hálito e lhes fazem os dentes belos, brincando com cãezinhos ou escutando um escravo salmodiar queixas voluptuosas e tristes..."
não é bem para esta Sherazade... se bem que um escravo não fosse má ideia...

O Réprobo disse...

Pois,mas para salmodiar indol�ncias langorosas? N�o creio que fosse grande emprego...
Beijinho, Querida Ana

Anónimo disse...

Aterrar ou descolar são verbos que têm pouca importância para o caso. Ou melhor, eu tive a sorte de aqui aterrar e de O ler. E gostei.

O Réprobo disse...

Ainda bem que veio, Meu Caro Mike, estes aeroportos ganham prestígio quando são frequentados por Aviões conceituados, como, indubitavelmente, é o Caso.
Abraço