domingo, 11 de maio de 2008

Inversões da Ampulheta

Tempo de Vladimir KalininFoi a Felicidade que nos condenou à medição do tempo? Não estou tão certo, pois o Casal Adâmico consta ter vivido nela e, ao contrário da famosa Sibila que pediu e obteve a imortalidade, esqucendo-se de solicitar a manutenção da juventude, os nossos mais longínquos Avós igualmente estavam subtraídos ao envelhecimento, antes da Queda.
Esta foi afinal, se não o contrário da Felicidade, ao menos um certo cansaço dela, como presente recebido, na medida em que ambicionaram o contrário, com o risco dos infractores, quer dizer, a Ciência, para a substituírem por um Presente conseguido. Assim o tempo verbal que tomou o lugar do brinde originou a cronologia em corrida imparável, essa suprema ironia de Deus, fazendo do anseio de apreensão de uma temporalidade o aprisionamento nas garras em fuga dela.
Por isso não se estranha que a notabilíssima Cecília Meireles tenha dado ao poema anexo o título de EPIGRAMA (2). Mas não era, como pareceria, dirigido à Felicidade, era-o à nossa Condição:

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.

6 comentários:

cristina ribeiro disse...

Também Tom Jobim cantou
"A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor"

Beijo, Paulo

fugidia disse...

Tem graça, nunca achei que o tempo tivesse qualquer "culpa"; somos nós que temos uma enorme dificuldade de ver a felicidade.
A miopia é que nos desgraça. Porque a felicidade é constituída por aqueles pequenos momentos, simples, graciosos, que existem todos os dias mas que só às vezes conseguimos olhar com olhos de ver.
Beijinho, caro Réprobo
:-)

O Réprobo disse...

E que outra bela identificação do Efémero dela, Querida Cristina!
Beijo

O Réprobo disse...

Estamos então em plena sintonia, Excelsa Fugidia! E o segredo dela está em não enjoar do que se tem, como em não ser megalómano no que se pretende. Mas enquanto o Homem for Homem, a simplicidade será sumamente difícil de alcançar.
Beijinho

ana v. disse...

A simplicidade e a satisfação, caro Réprobo! Esse é o mal dos Homens, e ao mesmo tempo o seu motor. Sem a insatisfação não avançaríamos um milímetro...
Mas voltando à medição do Tempo, penso que é uma escravatura. Os ocidentais chegaram à conclusão de que "não têm tempo para nada", os orientais usam-no com muito mais inteligência e não se queixam da sua falta. Porque sabem, no fundo, que o Tempo é o mesmo para todos. O que muda é a forma como o gastamos...
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Ana, eu não confundo a curiosidade (salvo nalgumas vizinhas à antiga) com a insatisfação de que falo. Procurar algo porque se sente a necessidade é uma coisa, sentir-se mergulhado num spleen por uma incapacidade de continuar a retirar satisfação do que se tem é diferente e uma impotência como outra qualquer.
No nosso hemisfério há uma vertigem de acumulação, enquanto a Leste deixar-se embalar no ciclo que é propiciado enforma um condimento suplementar.
Beijo