Doping Hierático
A necessidade de um colóquio no Brasil, visando limar a má imagem das formas de religiosidade surgidas na população de origem africana, fruto de um sincretismo dos cultos tradicionais do Continente Negro, de Cristianismo e de Espiritismo, levou-me a pensar em como algumas das manifestações que, dali provenientes, geram em nós mais estranheza, contactam estranhamente com a dimensão do nosso Sagrado.
Assim, os fetiches congoleses e do Norte de Angola, em que um prego é cravado na estatueta como lembrete que ajude a divindade a não esquecer algum pedido concreto ou genérica protecção demandada, é, por alguns etnógrafos, explicado como uma interpretação deformada do significado das imagens de São Sebastião, levadas pelos nossos navegadores. Sem que tivesse sido apreendido o pleno sentido transfigurador do Martírio, as flechas foram interpretadas como um excitante da memória do Ser venerado, e, decaídas na forma de espetos mais rotineiros, mutatis mutandis aplicadas aos ídolos.
Mas, sem a plasticidade primitivista aqui presente, está inserida também na religiosidade popular europeia onde a absorção dos conceitos teológicos menos eficazmente operou, com paralelo a ter em conta. Não só em meios medievos menos favorecidos a linguagem insultuosa dirigida a Deus em certas orações foi tida como uma manifestação válida de Fé, como Brito Aranha nos revela que ainda nos alvores oitocentistas as Mulheres da população piscatória da Póvoa de Varzim se dirigiam à capela de São José e apedrejavam a imagem do Santo de que eram muito devotas, gritando, entre outras:
Acorda, S. José, acorda! Santo de... Dá-me conta do meu homem, ou do meu filho, S. José!
Muito haveria na nossa hiperdesconfiada e analítica ciência e História das Crenças, a desbobinar sobre estas tendências. Estou, todavia, em crer que se tratava de mera transposição hierofânica do que melhor conheciam, em matéria de espevitar - o uso do aguilhão, picador ou gritado, no gado.
Assim, os fetiches congoleses e do Norte de Angola, em que um prego é cravado na estatueta como lembrete que ajude a divindade a não esquecer algum pedido concreto ou genérica protecção demandada, é, por alguns etnógrafos, explicado como uma interpretação deformada do significado das imagens de São Sebastião, levadas pelos nossos navegadores. Sem que tivesse sido apreendido o pleno sentido transfigurador do Martírio, as flechas foram interpretadas como um excitante da memória do Ser venerado, e, decaídas na forma de espetos mais rotineiros, mutatis mutandis aplicadas aos ídolos.
Mas, sem a plasticidade primitivista aqui presente, está inserida também na religiosidade popular europeia onde a absorção dos conceitos teológicos menos eficazmente operou, com paralelo a ter em conta. Não só em meios medievos menos favorecidos a linguagem insultuosa dirigida a Deus em certas orações foi tida como uma manifestação válida de Fé, como Brito Aranha nos revela que ainda nos alvores oitocentistas as Mulheres da população piscatória da Póvoa de Varzim se dirigiam à capela de São José e apedrejavam a imagem do Santo de que eram muito devotas, gritando, entre outras:
Acorda, S. José, acorda! Santo de... Dá-me conta do meu homem, ou do meu filho, S. José!
Muito haveria na nossa hiperdesconfiada e analítica ciência e História das Crenças, a desbobinar sobre estas tendências. Estou, todavia, em crer que se tratava de mera transposição hierofânica do que melhor conheciam, em matéria de espevitar - o uso do aguilhão, picador ou gritado, no gado.
4 comentários:
MinhaNossaSenhôra, que o querido Répobro descobre coisas de que até deus duvida;-)))
Mas que malta é esa (com todo o respeito, a reunir-se para essas coisas - com mais respeito ainda, que não vão aquecer nem arrefecer o que quer que seja e ainda vão servir de...ohmygoodness!
Como se não estivéssemos aqui a morrer desconsolados de vergonha por terem inocentado os matadores, assassinos da freira Ir. Dorothy que morreu em mãos mandadas por ricos agricultores...
Ora esa pé que é essa.
Estou para ter um troço:-o(((
Que governo este.
Um beijo, querido Paulo e desculpa o desabafo.
M.
Realmente, os perigos interpretativos da superstição são muitos... e a tendência é, como diz o Paulo, a transportar para o mundo das crenças as estratégias que resultam no do dia-a-dia. É assim que somos.
Olá, Meguita! Que bom ver-te por aqui...
Beijos a ambos
Ana
(não sei porquê, hoje só consigo entrar como anónima)
Querida Meg,
ah, foram mandados em paz os mandantes do crime? É por essas e por outras que as pessoas ficam descrentes da Justiça e se voltam para a bruxaria, que, para efeitos de vingança é o dinheiro dos pobres.
Beijinho, o mundo está perigoso, como dizia um célebre articulista português.
Ah é, Querida AnÁnima?
Não mudou a definição da assinatura, na «Porta...»?
Quanto ao problema de fundo, concordo inteiramente. A mesma tensão que as faz prenderem muitas vezes o homem, o mesmo incentivo com que põem a trabalhar as bestas de carga ou tiro... é o meio mais à mão, não se vê por que raio não resultaria com Santos o que funciona com pecadores ou inocentes!
Beijinho
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