quinta-feira, 29 de maio de 2008

A Inclinação da Grandeza

Passagem de mais um aniversário de G. K. Chesterton. Já fui dando aqui, ali e acolá umas pinceladas sobre Ele. Hoje, do extraordimário polígrafo que intuiu ser a Arte como a Moralidade, por traçar a linha algures, gostava de falar da vertente menos conhecida por cá, a generosidade que leva à admiração reconhecida. No nosso Mundo calhou a ser a figura do detective a herdeira do prestígio que outrora cabia aos profetas, pois onde os nossos Avós desejavam saber as consequências da sua acção, não cessamos nós de nos interrogarmos sobre o quão baixo descemos e acerca das motivações criminais dos piores do grupo. Desta forma, Conan Doyle moldou o seu Sherlock à memória de um professor que tivera na Faculdade de Medecina, o Dr. Joseph Bell, o qual, esse sim, empregava a famosa expressão Elementar, meu Caro, cuja busca faz desesperar os calcorreadores das aventuras do investigador ficcionado.No caso chestertoneano foi o homem que o levou ao Catolicismo, o Padre de ascendência irlandesa John O´Connor (não, não é o pedófilo famoso, é outro, anterior), resultando do convívio com ele a inspiração para o Padre Brown. Claro que a obra do escritor eduardiano é muito maior do que os contos policiais, mas estes são uma espécie de brasão das suas armas. No sacerdote de carne e osso encontrou um conhecimento incomparável da atracção humana pelo Mal, que o fez rir dos estudantes e assistentes de Cambridge, presunçosos como é fácil em universitários jovens, os quais exprimiram ao seu mestre reconhecimento pela erudição, mas dúvida sobre o seu entendimento da vida real. G. K., que fora por ele inteirado, pouco antes, de algumas perversões que nunca imaginara, disse mais tarde que a ciência da Maldade a que Homem pode descer, naquele eclesiástico, fazia os seus desdenhadores parecer meninos de coro. O que o outro justificava, dizendo que as horas de confessionário poderiam ser muito aborrecidas, se não se extraísse delas um genuíno saber no campo. O que permitisse equacionar as tentações, prejudicando a incógnita, acrescento por minha conta e risco.
Ao contrário de Brown, O´Connor era um versadíssimo apreciador de Literatura e Belas Artes, tradutor de Claudel e Maritain, iniciador da Juventude na apreciação da poesia de Thompson e Hopkins, possuidor de um pequeno museu na sua própria casa. Mas na naturalidade com que o aniversariante do dia proclamava a sua reverência por uma figura indiscutivelmente menos conhecida residia a simplicidade do verdadeiro Dom, a de utilizar os muitos talentos para inquirir e aprender, no trilho pedregoso do deslindamento do mistério dos abismos a que pode dirigir-se a alma humana.

6 comentários:

Tiago Laranjeiro disse...

Confesso nunca ter lido Chesterton, mas o que o Réprobo aqui tem postado tem-me deixado curioso. Em breve inicio a minha penitência.

Cristina Ribeiro disse...

Tiago, posso afiançar-lhe que tem aqui um bom mestre.

O Réprobo disse...

Meu Caro Tiago Laranjeiro, vale muito a pena. Sugiro, para começar, dois traduzidos em Português, «Disparates do Mundo» e «O Homem Que Era Quinta-Feira». Estou certo de que ficará viciado na evidenciação genial dos paradoxos.
Abraço

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
em GKC, claro.
Beijo

Tiago Laranjeiro disse...

Vou já amanhã à livraria favorita de Cristina Ribeiro, a braguesa Centésima, procurá-los.

O Réprobo disse...

Depois dir-me-á, Caríssimo Tiago Laranjeiro.
Abraço