Sem Curas de Trazer Por Casa
O Vendedor de Tisanas, por DunkerA situação que percorro levou-me a meditar sobre a incontestável sabedoria popular do dizer Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Aplicada ao caso, serve tanto para legitimar a assistência domesticamente prodigalizada, como o recurso à especialização profissional. Há sempre um elemento de dúvida, neste domínio, o de pecarmos por excesso, ou por defeito; mobilizar respostas desproporcionadas, correndo o risco de ceder a alarmismos da vizinhança da hipocondria por procuração, ou repousar sobre impressões de leigos, apesar de nossas. Tenho para mim que é sempre quando o optimismo triunfa que fica concedida a margem para ele ser desmantido. E por isso vou pelas cautelas, que não são de penhor, a não ser o do reconhecimento da beleza e semi-transcendência do acto de curar.
Como escreveu, em versos de poesia discutível, mas esperança justificativa, Eugénio de Carvalho Júnior, dedicando-os a um recém-chegado à Medicina, que se acabara de formar,
SER MÉDICO
Hoje deixas a vida de estudante
Para seguir a tua carreira amada.
Já vai ficando longe, bem distante,
A vida que levavas, descuidada.
Feliz por ver-te alegre, triunfante,
Teu mestre, que seguiu tua escalada,
Vem te dar um conselho neste instante
Em que inicias, firme, outra jornada:
Ser médico é ser bom! Sem ser perfeito
Há de trazer um coração no peito
Sensível «como bússola da dor»!
Ser médico é ter sempre um lenitivo,
Uma palavra amiga, um incentivo,
Uma mentira... se preciso fôr!
Como escreveu, em versos de poesia discutível, mas esperança justificativa, Eugénio de Carvalho Júnior, dedicando-os a um recém-chegado à Medicina, que se acabara de formar,
SER MÉDICO
Hoje deixas a vida de estudante
Para seguir a tua carreira amada.
Já vai ficando longe, bem distante,
A vida que levavas, descuidada.
Feliz por ver-te alegre, triunfante,
Teu mestre, que seguiu tua escalada,
Vem te dar um conselho neste instante
Em que inicias, firme, outra jornada:
Ser médico é ser bom! Sem ser perfeito
Há de trazer um coração no peito
Sensível «como bússola da dor»!
Ser médico é ter sempre um lenitivo,
Uma palavra amiga, um incentivo,
Uma mentira... se preciso fôr!
11 comentários:
"Uma mentira... se preciso fôr!"
É uma atitude que está completamente em desuso mas que eu subscrevo em alguns casos. A velha escola era mais humanitária, sem dúvida.
Ainda bem que não aconteceu nada de muito cuidado com a sua mãe.
Um beijinho
Assim o espero, Querida Ana.
Quanto à problemática, é a do velho dilema da permeabilidade do técico à Compaixão. Que tenha sido revogada por desuso, como nos diz, é sinal dos tristes tempos. Mas honra ao Mérito das Excepções.
Beijinho
"A velha escola era mais humanitária, sem dúvida."
Infelizmente, isso é cada vez mais verdade, cara Ana. Os médicos estão a deixar de ser Médicos para se transformarem em "Técnicos de Saúde...
Eu ainda recordo (que saudade!) a extraordinária personalidade do meu Avô paterno, que recusou um lugar na Faculdade de Medicina do Porto, a fim de se dedicar às pessoas da sua aldeia de Castanheiro do Norte, em Carrazeda de Ansiães...
Mas, felizmente, TSantos ainda temos alguns motivos que nos fazem pensar que essa " velha escola" ainda persiste aqui e acolá; conheço alguns casos em que a vocação para minorar o sofrimento dos que padecem de males físicos ainda prevalece: aqui no hospital local, por exemplo, tive conhecimento, através de uma irmã que recorreu aos seus serviços, de um médico a quem a esposa telefonou várias vezes durante a consulta, dizendo-lhe que já há muito deveria ter jantado, mas ele dizia-lhe que não podia ir sem atender os pacientes que esperavam porque alguns eram de longe- já passava muito da meia-noite.
O segredo está, como em quase tudo, na existência de uma real vocação. Infelizmente, os médicos de hoje parecem não ser completamente imunes à contaminação do espírito do funcionalismo. Mas há, na nova escola, uma perspectiva de prevalência do combate à dor que me agrada. A velha escola entendia que a dor era inerente às doenças e ao seu tratamento, o que alimentava a ideia de que os médicos eram piores do que elas - uma ideia que ainda não erradiquei do meu espírito… Gosto deste seu «post» também pelo sinal que dá, meu caro Réprobo. :-)
Concordo consigo, Luísa. A nova escola tem as suas vantagens também, e a forma de encarar a dor (deixando de considerá-la uma fatalidade inerente à doença) é sem dúvida uma delas. Eu referia-me mais à maneira de dar as más notícias, na qual não vejo hoje em dia grandes cuidados. E nem sempre vale a pena ou é aconselhável ser-se nu e cru, por muito amor à verdade que se tenha.
Caro TSantos, a minha mãe também era médica e fez opções parecidas com as do seu avô. Acrescia o facto de ser mulher e ter uma família a exigir-lhe mais atenção do que a que se pede a um homem. Mas ela soube bem distribuí-la por todos.
Ainda vai havendo médicos da velha escola, sim, cara Cristina...felizmente!
Mas o que critico é esse "espírito de funcionalismo" que a Luísa refere, e que, infelizmente, é um dos males endémicos da nossa sociedade...
"Caro TSantos, a minha mãe também era médica e fez opções parecidas com as do seu avô. Acrescia o facto de ser mulher e ter uma família a exigir-lhe mais atenção do que a que se pede a um homem. Mas ela soube bem distribuí-la por todos."
Sei bem a que se refere, cara Ana, pois tenho uma tia que, talvez influenciada pelo Pai, seguiu o mesmo caminho, e teve os mesmos problemas que a sua mãe (e as mesmas soluções, aposto!)...
Quanto à maneira de dar as más notícias...bem, depende da pessoa a quem elas devem ser dadas. E aí, o facto do médico conhecer bem o doente pode ser uma vantagem.
Queridos Amigos,
estou encantado por o meu desabafo, mesmo que tentando conferir-se sentido trans-pessoal, haja despertado tão interessantes reflexões. Confesso que a parte do poema que a Ana, na dupla vertente de Poetisa e Filha de Médicos, elegeu estava algo informada por faltas de jeito evidentes, aquando do falecimento do meu Pai. E que o sentido profundo evidenciado pela Luísa era quase um ensaio de demiurgia para que, na provação em curso, o Real não virasse as costas ao Ideal.
A minha satisfação, desta feita, pode ser anunciada, embora a exigência da minha Mãe não tenha ficado aplacada.
Mas como diria o velho Pangloss, podia ter sido muito pior!
Obrigadíssimo a Todos e esperemos que a grande maioria dos Médicos não se deixe desumanizar
concordo convosco,ainda há médicos da velha escola, embora não haja tantos como gostariamos...
Estava a lembrar-me aqui que Josão de Araújo Correia, médico e escritor da Régua, no seu leito de morte, fazia consultas grátis aos pobres. Já não há gente desta cepa...
bem querer meu
Eu gosto bastante dos contos dele, Querida Júlia. A minha Mãe, então...
Mas desconhecia esse pormenor que é antes um pormaior.
Beijinho
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