domingo, 25 de maio de 2008

Madame De...

Ainda para ilustrar, de forma pouco antecipável, como o espartilho pode corporizar a luta entre a liberdade e a escravização de uma Mulher, cumpre lembrar uma história curiosa. Kitty Schmidt, a proprietária da mais célebre casa de meninas da Berlim do tempo de Hitler, tentou passar-se, com a astronómica soma de mil libras escondidas no corset, para fora das fronteiras do Reich. A razão? O medo de aceder ao ultimatum de Heydrich, o qual queria utilizar o estabelecimento e algumas seleccionadas profissionais dele para recolha de informações sobre as elites nacionais e estrangeiras que o fequentavam. Apanhada, teve de ceder, sendo instalada na sua afamada pensão, pelos inevitáveis expoentes da Gestapo e SD Naujocks, Schellenberg e Schwarz, um sofisticadíssimo sistema de escutas, que deu para, entre muitos outros, ouvir as confissões de Ciano e de um falador diplomata da Embaixada Italiana. O próprio Heydrich foi escutado, numa distracção do responsável pela espionagem do local, que custou a este a ida para a Frente Russa num batalhão disciplinar SS. Em 1942 uma bomba aliada destruiu o confessionário, ultra-eficaz porque involuntário. Foi reconstruído o prostíbulo noutro local, pelos SS, mas o seu melhor tempo tinha passado.
Para os cinéfilos, foi esta uma das fontes em que se inspirou Fritz Lang para o derradeiro filme da série «Mabuse».

11 comentários:

ana v. disse...

Curiosíssima história, Paulo. Não conhecia.
Beijinho

Anónimo disse...

Caríssimo:

Curiosíssima história, na verdade, como diz a Cara Ana. Conecia-a em parte, mas não sabia da escuta feita ao próprio Heydrich.

Não teria sido propositada? Sabia-se que o homem era odiado por muitos dentro das SS (até o Himmler tinha medo dele), e era considerado como «judeu» ou quando muito «mischling», ao ponto da alcunha que tinha na escola ser «Jacob»...

Caso o responsável pelas escutas tenha recebido ordens para escutar o sujeito, pelos vistos de pouco lhe terá valido as protecções que nesse caso decerto teria. Talvez com a morte de Heydrich, em 1942, abatido com uma granada da resistência checa (há quem diga que foi da própria Gestapo), lhe tenha salvo a pele...

Contudo, este procedimento de espionagem - porventura ainda restrito (e até, de certa forma, galante) nas décadas de 1930-1940 (para já não falar dos tempos da 1ª Guerra Mundial), tornar-se-ia banal e mesmo reles durante a Guerra Fria, e agora, com o avassalar completo de toda a privacidade individual pelos bárbaros que se julgam senhores do mundo (até cá no burgo), esses procedimentos tornaram-se dignos de figurar num museu de uma época que, apesar de terrível, ainda tinha o seu encanto. Agora, é a «apagada e vil tristeza» resultante de uma opressão cinzenta, indistinta, mas infelizmente omnipresente.

Um abraço.

O Réprobo disse...

Querida Ana,
dá-lo como uma variante do Big Brother, em função da natureza da actividade que suportava a espionice, tem ressonâncias quase incestuosas, não?
Beijinho

O Réprobo disse...

Meu Caro Carlos Portugal,
segundo André Brissaud, Heydrich ameaçou com a sorte do punido os três responsáveis citados, caso se apurasse alguma culpa. Tudo inquirido, verificou-se que Karl Schwarz, o menos graduado deles, tinha dado as ordens necessárias para desligarem a aparelhagem indiscreta no dia da visita do chefe, mas que o oficial que dirigia o serviço de escutas tinha trocado as datas...
E tem razão na subsistência dessas práticas, aliás o filme de Lang menciona-o expressamente.
Abraço

Anónimo disse...

O assunto era tão sério que uma destas "casas" (não tenho a certeza se seria esta...) foi até objecto de um "raid" de Comandos, ordenado pessoalmente por Churchill (e na altura muito contestado entre os militares), com o objectivo de raptar algumas das inquilinas e respectivos clientes, a fim de obter informações.

E, claro, depois da guerra, as operações de sexo-espionagem tornaram-se uma imagem de marca do KGB. O famoso "Caso Profumo" resultou, precisamente, de uma destas "operações especiais"...

Anónimo disse...

Uau!!!!
Fico bobíssima e boquiaberta tanto pela maravilhosa iconografia que torna esse blog mais rico, sendo já riquíssimo, quanto pela maravilha das histórias, dos casos - no Brasil usa-se a expressão *causos* para esse tipo de transmissão - quase sempre oral, que nos fascina.

Que história, merece mesmo que seja o Réprobo a nos contar e nós os leitores a ficar sabendo; de tal emérita fonte.

Um beijinho e parabéns.
M.

O Réprobo disse...

Ah sim, Caro TSantos, lembrei o "Profumo de Mulher" no «Misantropo...».

Neste caso, haveria um aliciante extra: 16 das pensionistas não provinham dos meios civis, eram auxiliares SS altamente treinadas não só em acrobacias de lençois,mas igualmente na recolha de informação. Estavam reservadas a clientes que dissessem "ir da parte de Rothenburg", uma senha dada por infiltrados dos SD aos potenciais espionados, com o isco de lhes dar a noite da vida deles!
Abraço

O Réprobo disse...

Obrigadíssimo, Querida Meg!
É sempre bom saber que Lhe agradou.
Mas essa da transmissão oral, dado o tema das línguas soltas quanto a segredos... e nem vamos considerar outras acepções, indiciadoras de práticas de casas de ir e vir que hajam dado para o torto...
Beijinho

Anónimo disse...

"...eram auxiliares SS altamente treinadas não só em acrobacias de lençois,mas igualmente na recolha de informação..."

Exacto, e o KGB copiou o modelo, "ipsis verbis", justificando a famosa frase: " o plágio é a forma mais sincera, embora a mais discreta, de admiração"...;)

Ab

O Réprobo disse...

Ehehehehehehehe,
essa ficou mesmo bem!
Abraço

Anónimo disse...

Qual, a frase supra? É uma das minhas máximas favoritas, embora ainda hoje não saiba quem foi o seu autor...;)