terça-feira, 6 de maio de 2008

Firme no Firmamento

No aniversário da morte de Marlene Dietrich passo os olhos pelo livro que, na sua crueldade programática, lhe prolongou o mito, a forma de vida... póstuma das Estrelas de Cinema. Escrito pela filha dá-nos uma visão muito pouco azul de um anjo que não era dos melhores. Mas se a primeira condição de uma Star reside no egoísmo de acreditar sê-lo, a profusão dessa fé em si dispensaria qualquer outro requisito.
Ali o Eu é muito maior do que o vulto imaginado pelos idólatras e temos sempre a sensação e que a Actriz pensa que os testemunhos deles eram uma palidíssima ideia do que merecia. Desde a preocupação em não usar lingerie outra que a cosida à roupa em modelos únicos, à preocupação exclusiva com a sua solidão aquando da morte de Gilbert, sem mais palavra de pena. Como da oferta profissional para salvar o Trono de Edward VIII, depois de haver diagnosticado Mrs. Simpson como muito maligna para o fascinar, ou muito especializada, para o satisfazer em tudo, ao ponto de se oferecer ao Duque de Kent para o "salvamento" com esta frase que ninguém mais poderia proferir:
Vou ver o Rei. Mandai-me lá. Eu posso fazer melhor do que Wallis Simpson - e eu - podeis estar seguro de que não tentarei ser Rainha de Inglaterra.
Como a recusa no fim da vida, em voltar a Berlim de muro caído, com um aparato próprio a condizer, por não suportar a ideia de enfrentar as objectivas numa cadeira de rodas ou a sair de um taxi.
Mas o ponto forte destas 862 páginas é, sem sombra de dúvida, o mal que dizia dos "amigos" que tivessem sucesso na tela, expulsando-os do nível galáctico que imaginaria sua propriedade exclusiva. Só Garbo é tratada com respeito. Cooper e Wayne são arrumados com cowboys que só sabem saltar para os cavalos, Melvyn Douglas nunca poderia, mesmo com talento, aspirar ao estrelato, por carecido de appeal, Merle Oberon resume-se a uma p. de Singapura, Cary Grant corria na direcção de qualquer fotógrafo que visse, James Stewart era ridículo, imaginado como astro... e a minha favorita, sobre Loretta Young, atribuindo a abundância de igrejas católicas em Hollywood ao hábito de ela mandar construir uma de cada vez que tinha um filho natural...
Num filme célebre a personagem por ela interpretada dizia que tinha sido preciso mais de um homem para mudar-lhe o nome para Shanghai Lilly. Podemos bem dizer que não carecia de nenhuma outra opinião para ser para sempre Marlene Dietrich.

8 comentários:

fugidia disse...

Boa análise.
Boa noite.
bj :-)

O Réprobo disse...

E para a Querida Fugidia.
Nenhum trabalho analítico, salvo no sublinhar de passos do egotismo sine qua non...
Beijinho

Anónimo disse...

Querido R. M.

Em minha fraquíssima opinião, afora a frase de oferecimento para a salvação do Duque, que, se dita realmente é de um patético irrecorrível, todo o resto são lantejoulas, como se diz por cá.
Ou seja, são expletivas, não influem nem contribuem para
realmente a star e mito que soube ser.

Obrigada por este post(al): eu a adoro!
Um beijinho. Se posso;-)

M.

cristina ribeiro disse...

Com toda a propriedade, "A Queda de Um Anjo", que parece ter tido muito pouco de celestial.
Beijo

Anónimo disse...

E tu, meu caro, achas que ela foi traidora à sua Pátria?

O Réprobo disse...

Querida Meg,
se PODE? Só não digo que deve porque seria presunção minha a mais.
Quanto às lantejoulas, brilham, não é? E não rima com elas o tremelicar das estrelas, se não me engano.
Vou postar uma foto de homenagem ao Seu regresso.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
se nenhum grande personagem tem segredos parao seu criado, poderemos dizer que nenhuma vedeta consegue junto da filha prestígio igual ao desenvolvido nos admiradores que vêm de fora?
Beijo

O Réprobo disse...

Meu Caro Átrida,
o mesmo problema foi colocado, a propósito de William Joyce, por Rebecca West, num livrinho sobre o significado de traição, que vale bem a pena ler.
Devo dizer que sou muito permissivo, nesse campo. Ao contrário do nosso Amigo João Marchante, não tenho a nacionalidade como uma herança indeclinável. Quem se sente mal com a que nascu, mude-a e vá procurar melhores vizinhanças. Não chateiem, enfim.
Outro caso - e esse, sim, de lastimar - é o dos que, mantendo o passaporte, tudo fazem para prejudicar o esforço bélico dos seus, como delgados figurões morais que a TV anda a promover.
Abraço