segunda-feira, 31 de março de 2008

Os Amoralistas Tomados de Virtude

Fantasia de Mark RothkoNão tem pés nem cabeça virem algumas almas vigilantes, porque ociosas, pedir que se demita da presidência da Federação Internacional Automóvel o Sr. Max Mosley, lá porque pagou a cinco meninas para com elas encenar, à vez, tiques S/M com a temática de Guardas e Prisioneiros de Campos de Concentração. Em nada da sua acção pública isso influiu, não passa de um ramal da busca da excitação de uma época com muitas carências no campo, a qual parece achar muito bem que se use, para o efeito, uniformes eclesiásticos, de polícias, militares, de enfermeiras, ou de criadas, mas deita as mãos às cabecinhas tontas quando um maduro se sente mais espicaçado por este tipo de imagens de época...
Não pode ser uma reprovação da violência no sexo, já que consentida entre adultos. Não há violações criminais como haveria em certos Estados Americanos, ou na Escandinávia. Sob um certo ponto de vista o homem até mostrou ser um integrado, ou não fosse a flagelação o chamado vício inglês. E um democrata, já que experimentou as alternâncias de dar e levar, à vez.
A menos que o que lhe apontem seja ser filho do antigo líder fascista britânico. E aí estamos a cair no se não foste tu, foi o teu pai, que caracteriza muitas sociedades primitivas... como a reacção contra os familiares dos conjurados do 20 de Julho visando, imagine-se, Hitler!
Quanto custa ser diferente!

Caixinhas Chinesas da Rejeição

O estado a Que a Rodésia chegouNão acredito em eleições de partidos, porque as considero ilegítimo processo de preenchimento do Poder, cá como nos Antípodas. Nos casos em que os concorrentes não tenham quotas no regime, que é o que acontece nos Países da ex-URSS e no antigo Terceiro Mundo, não sou só eu a não acreditar: o perdedor também não acredita, porque qualquer dos lados, governo e oposição, só as reconhecem se as ganharem. Os do poder falsificam-nas quando se vêem perdendo, os da mó de baixo gritam sempre por fraude, quando não se sentem ganhando, nos resultados oficiais. De tanto gritarem, casos haverá que a história de Pedro e do Lobo será plenamente aplicável.
O que distingue a coisa impronunciável em que se tornou a Rodésia é que o inenarrável e folclórico Mugabe, que instaurou um racismo muito mais extremado do que o da Segregação anterior, com interdição de propriedade, espancamentos e violações desconhecidos na todavia não-aconselhável opção do regme de Ian Smith, está na desfaçatez de proclamar aprioristicamente, com os chefes da polícia e do Exército a aquecerem-lhe as costas, que não haverá outro presidente que não ele. Logo no caso em que eu até estava disposto a reconhecer qualquer coisa de bom a esses actos abominávieis da eleitoralice... desde que o apeassem, claro, ehehehehehe.

A Dança das Horas

Com a acuidade de sempre, em cima do acontecimento mas dotado de visão retrospectiva, o Bic Laranja aproveita para nos dar uma bela imagem do relógio da Hora Legal, tema que esgotou comissões e fez correr rios de tinta. O mostrador que nos revela foi o que, com um homólogo sito na Junqueira, veio, em 1914, substituir o sistema do balão do Arsenal, engenhoca da autoria do Engenheiro-hidrógrafo Frederico Augusto Oom, a qual transmitia a exactidão horária fazendo subir o insuflável preto a meio mastro (de sete metros) cada cinco minutos antes da hora certa, ascendendo ao topo nos três imediatamente anteriores ao momento H em que caía, accionado electronicamente pelo Observatório da Ajuda. O sistema era fíável, foi estudado por estrangeiros e tudo, mas, pela localização, não servia completamente uma das principais missões que se propunha, sinalizar o instante aos navios mercantes.
O apuro técnico foi a maneira que se arranjou de ultrapassar o vexame do sistema anterior, que vigorara por despacho de 1858 e era pouco mais do que um balão atado a uma corda, obedecendo às instruções do Observatório, o que não garantia precisão, em razão de alguma insuficiência no acto de o fazer descer, pelo que foi motivo de risota nos jornais generalistas e de censura nas publicações científicas pela Europa fora.
O novo aparelho previa um tiro de canhão, que não chegou a fazer-se, embora tenha funcionado um outro, de uma pequena peça do Jardim Botânico. Mas isso é outra história.
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Top de Gama

Em contramão causa atropelamento.

domingo, 30 de março de 2008

Uma Data de Virtudes

Os mais dados a considerar as concidências astrológicas, na vertente solar, muito embora, poderão bem encontrar pano para mangas no facto de 30 de Março ser o dia em que vieram ao Mundo Van Gogh e Verlaine. Dois Autores, cada um no seu campo, cujas vidas tormentosas talvez tenham ajudado a promover as respectivas formas de expressão, contudo de qualidade inegável, qualquer delas. Mas a mitificação dos golpes auto-infligido ou dirigido contra uma relação em fuga, parecem-me ter assegurado uma perenidade a talentos que, sem elas poderiam ser sujeitos às sombras da datação estilística.
Neste dia de comemoração interessa-me ver como se projectaram no tratamento dos livros, assunto que me é sempre tão caro, as duas excessivas personalidades. Nos da pintura do grande Vincent, assim simplesmente intitulado, os seus três principais traços parecem-me poder ser encontrados. A pobreza que o afligiu encontra o alívio na abundância do acervo exposto; a solidão é contrariada pelo contacto espiritual com os autores de tantos escritos. E a procura de alguém com quem partilhar uma visão do Belo, visível nas transmissões estéticas que encerram, como na disponibilidade que a sua ordenação na tela evidencia. Querem algumas escolas psicologistas que a arrumação dos volumes traia carências afectivas. Neste caso, as proclamadíssimas e atestadíssimas do brilhante pintor terão encontrado a sua catarse na relativa desordem.

Já o Poeta, que desesperou de não poder controlar o Futuro, aproveita os amigos encadernados como imagem do reviver da parte de felicidade afectiva que lhe coube, através do renovado interesse das linhas outrora percorridas.:

BIBLIOPHILIE

Le vieux livre qu´on a lu, relu tant de fois!
Brisé, navré, navrant, fait hideux par l ´usage,
Soudain le voici frais pimpant, jeune visage,
Et fin toucher, délice et des yeux et des doigts.

Ce livre cru bien mort, chose d´ombre et d´effrois,
Sa réssurrection «ne surprend pas le sage».
Qui sait, ô Relieur, artiste ensamble et mage,
Combien tu fais encore mieux que tu ne dois.

On le reprend, ce livre en sa toute jeunesse,
Comme l´on reprendrait une ancienne maîtresse
Que quelque fée aurait revirginée au point;

On le relit comme on écouterait la muse
D´antan, voix d´or qu´éraillait l´âge qui nous point:
Claire à nouveau, la revoici qui nous amuse.

As Origens Cristãs Deste Blogue

O administrador - hélas, nunca pensei aplicar-me este palavrão - ao Colo Materno, no Sagrado Momento do Baptismo.

Inflação de Pontífices

Com a controvérsia sobre a nova ponte lisboeta a sofrer uma escalada nas posições contra e a favor, parece que o projecto de engenharia mais adequado seria o que tomasse por base este modelo...

Atracção Multi-Usos

O Casino Estoril fez 40 anos, o que me leva a meditar sobre o facto de uma das mais reputadas recomendações turísticas da minha terra ser um local de batota. Avesso que sou ao jogo, por me parecer uma fragilidade descoroçoante querer ver a Sorte anuir à descoberta de um dom que tranquilize aquele que arrisca, quanto à pretensão de ser um Eleito, entretenho-me bem a observar os que se gastam nesse instante agónico, uma vez que é um momento em que se oferecem sem defesas à observação alheia. E é um vício que não deixo, o interesse contínuo que o Homem em Sociedade me desperta.
Mas nem só de fichas, dados e cartas vive a História deste equipamento, como agora se diz. Seu antecessor directo, quando Santo António do Estoril, hoje Estoril tout-court, ainda era um pardieiro, foi o Casino Internacional, do Monte, aqui dado na sua segunda morada, que a primeira foi onde ficou o hoje decrépito Hotel Miramar. Branca de Gonta Colaço e Maria Archer dizem que constituiu, até à grande Guerra, um centro mundano de primeira grandeza.

Falida a Sociedade Monte Estoril e criada a Sociedade Estoril, começaria uma nova vida da localidade como centro e propaganda e visita, mas só com a constituição de outra, a Estori-Sol, na década de 1950, se voltaria a pensar na construção de um novo Casino, o edifício que hoje nos parece lá ter estado sempre. Publicou a empresa que o explora um gigantesco album da sua vida, de onde retiro estas imagens. Mas nem só de jogadores fez o seu nome, apesar de ter levado à cena um espectáculo inspirado em 007, «Ordem Para Jogar». Cá vieram muitos dos grandes artistas internacionais, pelo que aproveito a fotografia de Amália com o grande Mário Moreno (Cantinflas), para homenagear o Filomeno, Que sei admirador deste último.

Os textos têm interesse e não pude deixar de me comover com o de Vasco Graça Moura, igualmente avesso ao jogo, o qual confessa a sua escassa biografia no campo, integrando porém uma aposta de cinco Francos em Baden-Baden, como homenagem a Dostoievski...

sábado, 29 de março de 2008

O Tempo e a Luta

Passaria hoje o aniversário daquele que considero o maior prosador do Século XX, Ernst Jünger, o qual levou a demanda da Liberdade a um ponto em que não só procurava furtar o Ser à tirania dos regimes e facções que movimentam e mobilizam as massas para combates longe dos do protagonismo aristocrático da Personalidade, mas também lhe tentava incutir a capacidade de se eximir às ordens do tempo rotineiro e contemporâneo. Daí que promovesse a significação das clepsidras e ampulhetas, por contarem um lapso temporal durante o qual se pretendia fazer alguma coisa; e rejeitasse os relógios, telefones e rádios, transmissores duma hora genérica e abstracta, a que se adstringia a obrigação de fazer alguma coisa. Como cantou uma solitude, não necessariamente associal, concretizada no refúgio florestal ou na observação e estudo sem as exigências formalistas da Escola.
Claro que o velho protestante - como se definia - visando resgatar a Individualidade das ameaças que de todos os lados impendiam sobre ela, teria de, nas suas palavras, ele que acreditava num Criador mas não era Cristão - chegar a um flirt com a Igreja Católica, por ser a única Instância actual que, consistentemente, preserva a dignidade, pela defesa do Livre Arbítrio. E, numa vida tão longa como a que o contemplou, de concluir pelo crescimento moral que a idade avançada permite.
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Noutro 29 de Março, o de 1966, escreveu, diaristicamente:
Nas nossas experiências, nas nossas tarefas, nos nossos deveres, quantas recriminações! Recriminações: quer dizer que nós não demos a resposta esperada. Recriminações aos olhos dos pais, dos mestres, dos camaradas, dos amigos, também daqueles que encontrámos casualmente. Dislates ligeiros, inconveniências, pretensões, gafes, faltas de jeito, más acções.
Seja: está longe, tudo isso, a anos e décadas de distância, ou remonta mesmo aos nossos tempos infantis. As feridas que nos infligimos, a nós e aos outros, estão há muito cicatrizadas. E há muitas coisas que nos resta saber ainda. Os parceiros, os cúmplices, os interessados estão mortos desde há muito. E enquanto vivos já tiraram a sua vingança de nós, ou nos perdoaram. Mais ninguém sabe o que quer que seja.
Nós expiámos, mas as cicatrizes são sempre dolorosas e, por vezes, doem mais do que as feridas. Os males que sofremos esquecêmo-los, mas àqueles que cometemos, não lhes vemos o fim.
Como explicar estas investigações retardadas de camadas interiores de que a vida se retirou, essa inquietude que recusa o apaziguamento? Primeiro, pelo facto de que, desde logo, nós envelhecemos e o nosso discernimento moral se afinou. Mas então a recordação das nossas boas acções deveria desculpar-nos. Ora, nada disso se passa. Nós erramos através do nosso passado, como se o bem se tivesse emancipado, assim como que através de uma passagem de que não apercebessemos senão as irregularidades, as depressões e os abismos.
Ou seja, na Memória sem auto-complacência reside o fundamento do Digno, pressuposta a linearidade do Tempo.

Do Charme Balnear

Ou o encanto retro das ondas de quando o Estoril era Estoril. Clicar para aumentar e sonhar.
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O Telefone Vermelho

Nunca compreendi a esperança de suavização que vejo investida em Raul Castro, no que tange ao Futuro de Cuba. Sem o carisma do irmão, foi durante muitos anos dado como ainda mais alinhado com a URSS do que aquele. Só vejo uma de duas explicações: ou o facto de Moscovo ter mudado de cor sossega os espíritos, ou é vago mergulho na janela do impreciso, agarrando-se à noção de que, muitas vezes, os reputados duros são os promotores de abrandamentos de sistemas enérgicos.
Vale esta prevenção para conspirativamente teorizar um bocadinho, tentando prendê-lo por não ter cão, já que está abundantemente encarcerado por o ter. Ao permitir que outros que não os do poleiro tenham acesso a telemóveis, para mim, é um reforço da opressão. Mas, para os que tenham a engenhoca em boa conta, pode ser uma de duas coisas - ou uma variante do pão e circo que desvie energias da oposição, ou, inspirando-se num certo incidente há pouco passado numa escola portuguesa, um incentivo à delação ou simples emissão de imagens de comportamentos desviantes, que facilitem o trabalho da polícia...

A Árvore e a Floresta

A imagem está por fora, A música refere o estado filmado do Sistema Educativo Português.
Punir o aluno cujas captações serviram para disciplinar tem um precedente em Abu Grahib, ora! Porquê a solidariedade para com ele? O critério está no deleite sentido. Pode-se fazê-lo, mas sem prazer. Experimentá-lo perante a barbárie deve ser interdito. E em nenhum dos dois casos havia dificuldade em detectá-lo...

sexta-feira, 28 de março de 2008

Esta Pressa de Agora...

Vi-me também intranquilizado pela notícia de que uma multinacional cujo nome não quero recordar está por detrás da iminente malfeitoria que consiste em pôr à venda um enlatado pronto-a-beber que, pretende, será café. Isto é inaceitável. O café é como o sexo, precisa de preliminares para saber bem, ou fica reduzido a um recurso para evitar perturbações da teNsão. Eu, que jamais (e não me chamo Lino) poria açúcar no café, adoro a calma e os movimentos circulares de mexê-lo com uma colher, um veículo de sociabilidade, para além do resto.
Desconfio de que isto venha a tornar-se em coisa pior do que a obsessão de poupar tempo, à Tio Patinhas: já estou a ver os patrões da ASAE a proporem aos fumadores um acordo, mediante o qual lhes facultariam um cigarro pronto-a-apagar, sem necessidade de fumá-lo. Uma espécie de metadona, mas duvido de que a cedessem gratuitamente.

Ironutopia

A Máquina da Loucura de AleklavUfa! Diazinho extenuante, este. Passando os olhos pelas novas do dia, detenho-me nesta luta sindical contra o aumento das horas de trabalho. E salta-me ao espírito a sátira que Clément Vautel dirigiu, em 1919, aos que piamente acreditavam na irreversibilidade do decréscimo das horas de ocupação profissional dos trabalhadores. Na ressaca do Taylorism, fingindo encontrar em Jules Guesde um hino à jornada laboral de vinte minutos, encara-a como o desaguar natural das sucessivas reduções, devidas à folga que a sofisticação da maquinaria permitisse. Os resultados, contudo, não seriam brilhantes, começando pelos dentistas os quais, ao fim da vintena cronométrica legal, largariam os pacientes entregues a si próprios sem compaixão pelos gritos de dor, até aos carrascos, deixando a meio as execuções que excedessem igual período. Numa única classe não se notaria a diferença, a dos políticos parlamentares, capazes de fazer em vinte minutos o nada que faziam nos mais dilatados horários anteriores, mostrando assim à saciedade que a III República Francesa era uma gémea da Portuguesa.
Mas, na imensa mole asssalariada, o problema estaria em entreter as gentes, posto que a maioria não se mostrasse capaz de dormir mais do que dez horas. Tão premente se revelava o problema de garantir lazeres às massas, que o Ministério do Trabalho foi transformado em Ministério do Repouso; mas bibliotecas populares, aulas de educação cívica, conferências, passeios nos museus, festividades e até os mais promissores e resistentes desportos, tudo se revelava insuficiente para prover às necessidades desse sorvedouro de entretenimento!
Foi o ponto de viragem, a partir daí o movimento revolucionário passou a orientar-se sob o slogan Abaixo os Lazeres!, pelo progressivo aumento do horário de emprego, começando pela jornada de uma hora e culminando na de oito.
Irra, se o Sr. Sócrates e C.ª lêem esta ainda a integram na fundamentação das exigências contra as quais lutam os grevistas...

Imagem (Que) Precisa

Leio o anúncio de que decorrerá na Cordoaria uma feira dedicada a hábitos que tornem a vida mais saudável. Dão-nos como "Alternativa", o que me impele a, melancolicamente, lamentar a estragação de nós que levou a tornar admissível e compreensível tal designação. Do manancial de opções propostas fazem parte as massagens, parece que com incidência maior na de velas... Uma coisa, porém, é certa: a plena consequência só se encontraria com esta foto divulgadora.

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Carne ou Peixe?

Retrato de Miss Constable de George RomneyO caso do transexual que anunciou tornar-se homem para depois acrescentar que conservara o aparelho reprodutor feminino e dará em breve à luz, para além de grave distúrbio mental, parece-me ser uma fraude atentatória da eterna busca da Essência do Feminino.
Genitalia à parte, devemos ter em conta a frase de Bernard Shaw, o qual, interrogado sobre a maior diferença entre um Homem e uma Mulher, respondera à jornalista: Minha Senhora, não posso conceber. Não a tomo na literalidade que reporte ao facto ocorrido, pois muitas Mulheres feminíssimas não incluíram a maternidade na biografia. Interpreto-a como a necessidade universalmente constatável no Género de prolongar o interesse que despertam, ao contrário de nós, pobres, que nessa matéria vivemos nas águas turvas da mera aplicação. Tendo um filho, todas as Senhoras que conheço querem deixar nele a marca acrescida da parte de império e fascinação que se detectam nelas, de que o cultivado e celebrado mistério é a face mais visível.
Como escreveu Desmahis,
Quem pode definir as mulheres? Tudo, na verdade, fala delas, mas numa linguagem equívoca. Aquela que parece a mais indiferente é muitas vezes a mais sensível; a mais indiscreta passa muitas vezes pela mais falsa: sempre prevenidos, o amor e o despeito ditam os julgamentos que nós emitimos: e o espírito mais livre, aquele que as tenha melhor estudado, crendo resolver os problemas, não faz senão pôr novos. «Há três coisas, dizia Fontenelle, que eu sempre amei muito sem jamais nada compreender delas: a pintura, a música e as mulheres».
O ser duvidoso que propagandeou as suas esperanças não percebeu a diferença entre a essência que atrai duravelmente e a curiosidade momentânea que um jornalismo imediatista estimula.

quinta-feira, 27 de março de 2008

O Céu Não Pode Esperar

Felis Cumulus de Michael BridgesQuase no fim do dia estou finalmente em condições de revelar aos meus Leitores que sinal era a pedra azul caída do ar, em Bucelas. Não foi, como inicialmente pensei, a concretização dos receios da Irredutível Aldeia Gaulesa, já que apenas desabou um pedacinho e não atingiu a cabeça de qualquer incauto.
Trata-se de um anúncio da adesão da Cristina Ribeiro, Madrinha deste blogue e Nefelibata em part time, à postagem blogosférica: juntou-Se à grande Equipa do Estado Sentido e o azul do template não me deixa mentir. Mas devo dizer que este gatinho da imagem farejou a Amiga sem a ajuda que eu tive. Corram Todos, se querem sentir-Se nas nuvens com a qualidade da escrita que já conhecem dos comentários!

A Importância do Género

Lição de Português: Quando o que segue um substantivo próprio não respeita a concordância, perde-se a exactidão qualificativa; ex: Fabiana Semprebom

Culpas de Mau Pegador

Juno em Chamas de Frederick LeightonA modificação que consagra a unilateralidade do divórcio, abolindo o requisito de culpa na modalidade litigiosa, significa duas coisas: em primeiro lugar um mal-estar deste sector e geração da Classe Política, perante a mera referência de um dever impendente sobre os unidos pelo Himeneu. Depois, é um acrescento mais à psicanálise, à droga e a outras alienações, no sentido de erradicar a culpa do indivíduo. Jesus só admitia o divórcio, contudo institucionalizado entre o mundo judaico da época, em caso de adultério, logo, culpa gravíssima. É certo que aqui não se trata só do que Deus uniu, também há a considerar o que a República Portuguesa colou com cuspo e que não se subordina à mesma ordem de valores. Mas faz impressão que uma civilização, mesmo em cacos, que considerou o Repúdio como uma característica das sociedades primitivas, o venha a consagrar com outro nome, eliminando a relevância (salvo na distribuição das massarocas, suponho) da responsabilidade por actos graves.
É verdadeiramente estatuir que o divórcio não é um mal tendente a remediar outro, pior, mas uma coisa que acontece, como estar a chover quando se sai de casa. E nesta banalização irá entroncar o novíssimo e contraditório corolário dos contos de fadas revistos e emendados:
Então divorciaram-se e foram infelizes para sempre.

Pétalas e Espinhos

Agora que a Argentina fica com uma Presidente bem jeitosa a suceder ao Marido, percebo tanto empenho na troca de cadeiras que permita a ambos ocupar o mesmo palácio: como a residência oficial do Chefe de Estado do Grande País é a Casa Rosada, foi um imaginativo meio de fazerem do seu matrimónio um sonho cor-de rosa...
Para o Povo é que a coisa parece negra.

Dor Onde Pára o Homem

Devido à predilecção cinéfila que me foi confiada por alguns Amigos Brasileiros e às reflexões que a Ana Vidal, a Cristina Ribeiro e a Fugidia expenderam nos comentários a poemas sobre a Saudade, dei comigo a repensar o «Blade Runner». Não só essa transferência do grotesco da clivagem relativa ao que nos caracteriza, que era a norma do olhar sobre os autómatos, desde Vaucasson, substituída pela possibilidade de encararmos a padronização hoje em dia imposta ao Homem, uniformizando a percepção do Passado e diminuindo a audibilidade da consideração do Futuro. Esta vida exclusivamente no Presente, sem sentimentos de herança e de receio, assemelha-nos estranhamente a essas máquinas de lutar, mas condenadas a não sentir emoções, até ao ponto de serem neutralizadas quando as começassem a experimentar.
O nó do problema estava em a inoculação de emoções do património de um qualquer ser, o aperfeiçoamento último que se lhes arranjou, não corresponder a dor ou êxtase vividos por eles. O que é muito diferente do generoso ideal de vivê-los com os outros, como da indispensável banalidade de sentir os próprios.
O resto acaba por ser o principal, a relação do eliminador de andróides com Rachel, ou seja, no assombroso cenário futurista, uma variação mais sobre a realidade de um amor impossível. O que a fita nos dá é o que todos e cada um procuramos no nosso afecto mais íntimo, ou seja alguém que faça de nós excepção à categoria em que a generalidade nos inclui. Quando a mais perfeita das criaturas artificiais se interroga sobre se é ou não um Replicant, já está imersa numa das muito humanas atitudes, a da dúvida. Mas o amargor que sentimos ao deixar a cadeira em que assistimos à película talvez deva ser indexado a uma outra percepção, mais indistinta: a de que as palavras finais de Rutger Hauer, o vilão possível, expressando a desistência no tempo - ou hora - de morrer, também traduz uma humaníssima atitude - a recusa em ficarmos sozinhos, neste mundo.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Cumprir-se

Dois grandes poetas nasceram a 26 de Março e gostaria de homenageá-los, aproximando aqui numa breve reflexão dois dos seus poemas.
Sabe-se que os outros animais também conhecem a hesitação e a culpa, embora esta última ditada pelas consequências da transgressão, que não por uma pré-ordenação comportamental. O que lhes é absolutamente estranho é a doentia recriminação pelo que podia ter sido. E também a necessidade de optar pelas vias originais, para depois lamentar, não se coaduna com a natureza respectiva, que é muito mais escorreitamente ou de grupo ou de solitário. Daí a naturalidade perante a morte, impossível de encontrar entre os homens com consciências pouco limpas, arrependidos de opções que livremente tomaram, sonhando-se na projecção do que poderiam ter sido se..., que gera assim na nossa Espécie o desgosto da própria superioridade tão apregoada.
Combinemos Alfred de Vigny e Robert Frost:
LA MORT DU LOUP (III)

Hélas! ai-je pensé, malgré ce grand nom d´Hommes,
Que j´ai honte de nous, débiles que nous sommes!
Comment on doit quitter la vie et tous ses maux,
Cést vous qui le savez, sublimes animaux!
A voir ce que l´on fut sur terre et ce qu´on laisse,
Seul le silence est grand; tout le reste est faiblesse.
- Ah! Je t´ai bien compris, sauvage voyageur,
Et ton dernier regard m´est allé jusqu´au coeur!
Il disait: «Si tu peux, fais que ton âme arrive,
A force de rester studieuse et pensive,
Jusqu´à ce haut degré de stoïque fierté
Où naissant dans les bois, j´ai tout d´abord monté
Gémir, pleurer, prier, est également lâche.
Fais énergiquement ta longue et lourde tâche
Dans la voie où le sort a voulu t`appeler,
Puis, aprés, comme moi, soufre et meurs sans parler.».
THE ROAD NOT TAKEN

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveller, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And have perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same.

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood and I -
I took the one less travelled by,
And that has made all the difference.

Retrato de Família

O autor com alguns dos seus mais chegados...

Pacto de Aço

Túnel na Baía de George GettoesSempre que cheira a uma grande obra pública surgem de todo o lado considerações técnicas que exalam um fedor de técnicas de outras considerações. A última foi a pressão, ao que parece com fundamentaçoes a contento, para serem construídos túneis em vez de pontes como ligações à Outra Banda. Há, ultimamente, uma má vontade contra as passagens aéreas do rio que me deixa assombrado. Um comentador que até escuto com interesse superior à média, Manuel de Lucena, dizia, no outro dia, que não tinha a certeza de gostar da vista lisboeta com mais pontes! Pelo contrário, eu acho que até pode beneficiá-la, desde que haja sensatez na arquitectura. Como houve, nas duas que estão.
Para uma completa transparência do buraco, há que atentar no que está em jogo, em termos de interesses. O próprio parecer confessa que seria um empurrão à indústria nacional do aço, se a escolha recaísse sobre aquele material. Isso parece-me motivação atendível, a qual dispensaria argumentos laterais, que apenas tornam mais duvidosa a solução apresentada para o problema. O da segurança, por exemplo. Deixem que cite o que outro especialista renomado, Cassiano Branco, escrevia em 1949, apavorado com a perspectiva de um sismo:
Arredar completamente a ideia de construir túneis sob as colinas de Lisboa para facilitar o trânsito de veículos e peões interbairros, e nem sequer admitir a hipótese da construção do tão falado metropolitano.

Escola de Vícios

Escola de Barbara KrólNa polémica entre o Procurador Geral da República e o Elemento do Ministério da Educação não me interessa um niquito sequer saber de os gangs são importados para as escolas, ou delas exportados. Suspeito de que não haverá uma regra, acontecendo nuns casos duma maneira e nos restantes da outra. O que importa é resolver o problema. E aí, eu, que sou um firme adepto da autonomia de cada estabelecimento de ensino em matéria estritamente pedagógica, pergunto-me se será avisado conceder igual latitude no apoio que é o exercício do poder disciplinar. Os professores não me parecem vocacionados para a repressão, por três ordens de razões: em primeiro ligar, no estado de coisas a que se deixou chegar a aprendizagem, são vistos e vêem-se como parte do conflito. Depois, porque deixando-se envolver no acompanhamento diário dos discentes, as simpatias e aversões geradas podem expô-los a acusações suplementares de quebras de imparcialidade. E em terceiro, porque lhes adivinho uma tentação de não punir severamente, quer por natural indulgência para com os pecadilhos da juventude, quer por se temerem desautorizados se não conseguirem resolver as crises em família. Julgo, aliás, que é muito por isso que tão poucas ocorrências graves serão participadas, como se queixou o Magistrado.
Deve ser sempre atribuída alguma capacidade punitiva aos corpos docentes, para preservar um princípio hierárquico sem o qual um sistema educativo imposto não pode funcionar. Mas para os casos mais problemáticos, a medida reactiva deveria ser decidida, sem prejuízo dos julgamentos pelos tribunais em matéria crime, por um sector do funcionalismo treinado para o efeito. De preferência tutelado por ministério diferente do da Educação. A ameaça de intervenção da frieza de estranhos de que os infractores potenciais não pudessem pensar conhecer os fracos, funcionaria, com toda a probabilidade, como elemento dissuasor.

O Argumento Irrefutável

O Caro Corcunda diz que mantém a despedida, apesar de instado a ficar por uma legião de fãs dos quais o mais ínfimo é o maldito que ora posta. Como a verdade, quer dizer, a chamada de atenção para que nos não deixe no desamparo da perda da Sua profundidade, não o comoveram, espero que uma outra razão o demova: como é sabido, reza uma velha superstição que tocar na corcunda de quem tenha essa característica traz sorte. Pois bem, na blogosfera, clicar não é tocar, sem tirar nem pôr? Não quererá o Nosso Amigo ser responsável pelo nosso azar...

terça-feira, 25 de março de 2008

Coroa e Significado

Coroação da Virgem pela SS. Trindade de Agostino Masucci (Palácio Nacional de Mafra)
A 25 de Março de 1646 se publicou a carta de lei que encerrava a deliberação das Cortes dos Três Estados do reino, pela qual se escolheu Nossa Senhora da Conceição para defensora e protectora de Portugal. Foi também pronunciada a fórmula do juramento de vassalagem, sob pena de expulsão dos domínios portugueses e de perda do trono dos súbditos e soberanos que não o acatasem, respectivamente. A partir de então os nossos Reis não mais cingiram a Coroa, nesse preito de submissão, ficando nas ocasiões solenes, numa almofada à sua direita, como se vê no retrato de D. João VI. A iniciativa que outro João, o Quarto do Nome, teve por bem levar a cabo não fazia esquecer que a Coroação por antonomásia, no que à Virgem toca, era a retratada na pintura à esquerda.

Mas tinha a virtude de unir elites e massas na compreensão e devoção a um mesmo Ideal, pois o Gesto Real era de todos compreendido e por todos fora intitucionalizado. Não se afastava da Mãe de Jesus o Povo arredio dos enclaves em que as Belas Artes eram fruídas. E quando surgiu Fátima, em resposta a agressões continuadas, ganhou-se sentimento popular, mas afastou-se, mesmo dentro do Catolicismo, algumas elites enjoadas da mistura, que, muito carecidas de Rei, não percebiam o que percebeu Amândio César:

NOSSA SENHORA DO REGRESSO


Depois que Deus criou a terra e o céu
e no céu pendurou imensos luminares
e na terra fêz o homem à sua semelhança,
andaram profetas afirmando em profecias
que virias!
Não vieste...
Não vieste, ah não vieste, ao menos para nós...


Que mal eras chegada
fecharam-Te, Senhora, em oleo e tinta
nos salões escuros dos Museus
e puseram empregados,
fardados,
a cobrar quantias a quem quisesse ver!...
- Por isso o povo, o povo não Te viu...

Senhora e Mãe!
Os que Te foram visitar,
os que pagaram a cota
para entrar,
não foram lá por Ti
nem por tua bondade e mansidão sublimes...
É que a tua prisão escura tinha nomes,
nomes célebres que eram chamariz
- Murillo, Velasquez, Rubens, Miguel Angelo -
e por isso o povo não te quis...

Senhora e Mãe!
Nas fábricas enormes saltam êmbolos,
pentes separam e o tecido cresce...
Dos lugres salta o dori,
o arpão rasga
e a pesca cresce, cresce...
Nas debulhadoras giram as correias,
as pás lançam espigas
e cresce o cereal...
É assim em toda a parte!
Porém, longe de Ti...
Os homens afastaram-se porque Te fecharam!
Mas nesse ranger de êmbolos,
correias e motores,
há uma prece rezada mui baixinho
que dia a dia se vai avolumando...
E a prece vai crescendo
como o tecido,
vai rasgando a alma
como o arpão,
vai separando aos poucos o joio do trigo loiro
como a debulhadora...

- Senhora!
É a hora,
a tua hora:
- Vem de novo, Senhora, sem profetas
para o meio daquêles que tanto, tanto
de Ti precisam
e, ignorando-o,
por Ti anseiam,
há séculos, há dias, há milénios...
Então um côro novo,
o côro dos libertos que foram oprimidos
ressoará pelo universo inteiro:
- Salvè Senhora, Rainha da Manhã
Mãe de tudo e tudo quanto existe!
Tu és a esperança
de quantos algum dia tiveres acarinhado,
de quantos para Ti lançam os olhos,
cheios de súplicas e rezas de perdão!
Salvè estrêla ou sol
que luziste em vermelho na Batalha,
com teu manto,
azul e branco,
ao vento,
a fundir-se no azul do firmamento
e que de novo voltas
a ser entronizada
neste reino de teu mando,
a tua pátria amada.

Pobres Caravelas...


Satisfação por ver arredada da representação nacional de Futebol a combinação de uma bandeira verde-rubra de memória histórica lamentável e opção heráldica arrevesada. Além de que a nova opção de vermelho parece mais quente e, estendendo-se à totalidade do equipamento, poderá levar os rapazes a darem o litro, para aquecer o coração dos adeptos.
O que de todo me pareceu indescritível foi o embaraço com que o reporter da TVI se referiu ao Emblema: pode ser vista a Cruz... aah... de Portugal. (Pausa). A Cruz de Cristo. Como se o Nome mordesse. Nem creio que estivessem por detrás sentimentos anti-religiosos próprios, senão o empenho em não desagradar à fúria laicista que inunda o País. Lá lhe devem ter feito sinal de que não faria grande mossa nomear o Símbolo, o que aliviou o rapaz.
Até porque o triângulo e o compasso só alastram pelos orgãos dirigentes, não consta que hajam contagiado o escudo federativo...

Nem Só no Melhor Pano...

Uma regra consuetudinária da História e da histeria eleitorais Norte-Americanas diz que questionar o patriotismo do adversário é o derradeiro "argumento a que se recorre", quando mais nenhum resulta. Foi o que fez Bill Clinton contra Obama. E a resposta veio, levando, definitivamente, para a chinela as pretensões do debate, com um assessor do atacado a dizer do ex-Presidente que deixara, com a sua atitude, uma nódoa muito maior do que a espermática do vestido da Monica Lewinsky.
Estava desde o início curioso por saber como haveria de ser chamado à colação o famoso escândalo, já que Hillary pareceria poder sempre sair beneficiada, pelo estoicismo com que aguentou a provação. Não esperava era que fosse suscitado nas Primárias. Mas foi-o. E a campanha clintoniana também já veio comparar o Senador do Illinois ao procurador que investigou o caso...
Azul era a cor do vestido da estagiária, azul é a cor do Partido Democrático. Com oponentes destes o Senador McCain não precisa de apoiantes.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Domínio Que Se Esvai

O Piano Silencioso de Nguyen Dihn Dang
Quanto mais ténues são os contornos de cada concretização da nostalgia, infirmando o carácter vago que a atenção dos observadores lhe associa, lutam sem quartel dois desejos por um espaço que tem a fenda do abismo continuamente a alargar-se: Pretender conservar uma imagem daquilo que se quis e fazer por afastar a dor da falta. É do clamor imenso desta refrega que estoira o silêncio condizente com a ausência, tornando cada vez mais longínquo o oásis propiciador de algum consolo, a memória a que procurávamos encostar-nos. Qual das duas será mais terrível, a dor pungente das imagens que nos assaltam, ou a impotência progressiva de as reconstituirmos?
De Marta Mesquita da Câmara,

SAUDADE

Alguma vez soubeste o que é saudade,
Que faz da nossa vida uma agonia?
Alguma vez no espaço dum só dia
Sonhaste percorrer a eternidade?

Perdeste alguma vez a Liberdade?
Sentiste emurchecer tua alegria,
Como ao cair da noite murcha o dia,
No derradeiro tom da claridade?...

Se nunca presumiste o que era amor,
Despindo as galas e vestindo a dor.
Se uma saudade, enfim, não conheceste,

Não saias do limite da razão
Para atender a voz do coração,
Que o maior mal ainda o não sofreste!...

As Asas Dum Patrocínio

Gabriel da Anunciação de Filippino LippiNestas coisas da escolha de Santos Patronos o que mais me repugna é submeter os Candidatos a votação, degradando-Os do nível venerável que ocupam, na Proximidade de Deus, para o patamar de um qualquer político de partidos. Colocada esta questão prévia, no dia de São Gabriel Arcanjo, cumpre examinar a Sua adequação a patrono desta INTERNET em que nos movemos.

São duas as grandes concepções do Anjo Mensageiro cujo nome significa O Poder de Deus: a Cristã que O dá como o Símbolo da Misericórdia, a Judaica, que O vê como o do Julgamento e da Destruição, pelas conexões aos arrasados Sodoma e Templo de Jerusalém.
Ora, o que me preocupa é saber se não será prosápia acharmo-nos, globalmente dignos de Tão Grande Intercessão. Que a net é um poder, não duvido. Mas sê-lo-á sempre de Deus, para legitimamente pretender colocar-se sob a alçada Do que Lhe porta nome? Que dá notícias antes de muito meio de Comunicação Social, não se questiona. Mas serão sempre tão exactas como os Anúncios das vindas do Precursor e do Salvador? tenho sérias dúvidas.
Considerando a Concorrência, veria com bons olhos o Santo Editor, e, pela minha formação Salesiana, os Membros da Ordem citados. Mas talvez Santa Clara leve a Palma a Todos, neste martírio de proteger um meio tão duvidoso como aquele em que navegamos - discerniu visões numa parede, tal qual nos acontece no ecrã do monitor. Resta rezar para que sejam tão pias.
Como se vê, a minha objecção ao Angélico Mensageiro não significa menos apreço. Trata-se somente de pudor. E de nos exergarmos.

A Gestão dos Ódios

Com certeza que promover um filme de ódio a uma religião é coisa condenável e merece mais reacção do que a simples expressão de discordâncias dela. Mas só não é de estranhar este encerramento de um site anti-islâmico quando continuam pujantemente on line tantos outros, fanática e soezmente afrontadores do Catolicismo, porque se insere a discriminação numa dualidade de critérios há muito diagnosticada nos meios culturais e informativos do Ocidente - a que o desenho documenta e que traduz uma perigosa nova modalidade do ódio de si.Não conhecendo o filme, duvido, no entanto, de que o pior que diga do Islão, na perspectiva dos mais radicais Fiéis do credo atacado, seja a comparação a Hitler, já que é frequente ver imagens destas em manifestações nos países Muçulmanos. Seria bom termos mais detalhes sobre o conteúdo da fita, embora não tencione ver panfletos anti-religiosos, mesmo que ofendendo a Fé de outros.

Liga Que Liga

O caso que fez as delícias noticiosas dos últimos dias tem sido levado para o âmbito da indisciplina escolar, quando, a meu ver, esse é o aspecto secundário da questão. O cerne do problema julgo que reside em os alunos não serem assim tão diferentes da Sociedade que os fez, não em serem excepções a ela. Com efeito, quantos de nós não temos sido massacrados por telemóveis a tocar, em almoços, cinemas, missas, concertos? Não são similares faltas de respeito? O traço mais original, cá para mim, assentou na fúria com que a rapariga defendeu o aparelhómetro, como se fosse o seu bem mais precioso, o que também se encadeia numa longa procissão de deificação da maquineta, desde as adolescentes que fazem strips para a INTERNET a troco de carregamentos do tm, até aos miúdos que pedem aos pais esse acessório como prenda de Natal, porque todos os outros o têm.
Vedar a entrada deste flagelo nas escolas poderia ser uma solução, paralela à das taxas moderadoras na Saúde, ambas tendentes a restringir urgências imaginadas, mas não oferecendo a do ensino os problemas de insensibilidade ao sofrimento em que a dissuasão hospitalar incorre. Mas é esforço condenado - um célebre Sheriff do Oeste Americano também obrigou os arribantes à sua cidade a entregarem-lhe as armas, no acto de entrada. Houve sempre alguém que introduzisse subrepticiamente uma, para ganhar vantagem. E quem poderá montar um serviço de revistas que imponha a disciplina correspondente no Farwest dos nossos estabelecimentos de ensino?

O próprio nome da coisa nasceu torto, em Português. Telemóvel não me parecia definir grande coisa, ao contrário de telégrafo, televisão e telefone, a escrita, a visão e o som ao longe, respectivamente. Agora, "móvel da distância"? Até que o sucedido me fez perceber o mobil da coisa - a função primordial deste tesourinho deprimente é mover a distância, transferido-a da física que atinge as relações de cada aluno, para a da matéria que é leccionada nas aulas.

domingo, 23 de março de 2008

Língua Exangue

Há coisas que merecem pimenta na língua, mas fico-me pela língua na pimenta fotografada.
Ouvisto num programa de T.V. transbordante de pretensões intelectuais: o moderador do «Eixo do Mal», falando da postura humanizada do Presidente Cavaco numa peça emitida, diz que ele adoptou um novo estilo, cingindo-se a adjectivos, tipo "gostei".
Sem mais comentários meus, para além do bold na frase citada.

Dia Em Família

Primavera na Montanha de Samy Chamine

Tendo coincidido a mudança de Estação com as Alturas Maiores do regenerar humano pelo Amor Divino, tudo auspiciava que neste ano me fosse agradável a visita da Prima Vera. Achei-lhe contudo uma frieza só comparável à estranhamente constatável na meteorologia, nada alegrando o meu pobre espírito, ao contrário do que costuma, ficando um em frente do outro sem conversa e sem prazer, à espera de que passe um tempo demasiado longo para as memórias de que fomos capazes. Ao escrever estas linhas percebi que o defeito não era da visita, que o bloco de gelo impermabilizado ao entusiasmo da osmose com os pássaros que regressam, as Mulheres que saem da hibernação e a luminosidade que larga as encolhas, era eu e só eu. Como se, vendo a aberta vital a deixasse preservada na adega, em vez de dela beber até ao último trago, remanescendo as palavras que escrevo, mas de que me rio, uma semente desperdiçada, como se tivesse sido deitada à terra fora do momento sazonal propício.

De Alberto de Oliveira


PRIMAVERA

De-repente, da noite para o dia,
Vejo a Terra acordar do seu torpor,
Despojada do luto que a cobria,
Vestida de verdura e tôda em flor.

Foi vara de condão, voz de magia,
Sésamo que se abriu, deslumbrador,
E à Natureza deu, morta e sombria,
Fôrça instantânea e súbito esplendor.

Então, da mesma embriaguês tomado,
Abre-te, Sésamo! à minha alma digo,
Abre-te, Sésamo! Aos meus olhos brado.

Mas, ai! Já não revivo nem desperto:
Nega-me a Primavera o seu abrigo,
Perde-se a minha voz no meu deserto.

O Império dos Ovos

Como chegou o ovo a simbolizar a Festa Pascal? A explicação não é pacífica, mas tudo parece indicar que se tratou de um pioneiro sincretismo, resultante de coincidência epocal das comemorações da Passagem do Egipto para a Judeia, entre os Judeus imigrados na Roma Antiga e os cultos de renovação - que hoje diríamos primaveris -, da altura do ano em que a vegetação floresce e muitos animais procriam. A decoração deles terá nascido durante o reinado de Alexandre Savero, em que uma galinha tresloucada ou benfiquista resolveu pôr um ovo vermelho. O prodígio fez a moda e, de aí em diante, toda a gente estimável começou a oferecer aos que prezava figuras ovóides da cor, em breve dando o salto para maquilhagens mais variadas e inventivas. A Santa Madre Igreja não viu nada de condenável numa celebração da Vida e da Luz, passando a promover o intercâmbio de ovos bentos, com a adição da Mensagem da Ressurreição e da purificação revivescente.
A sofisticação é uma fatalidade do Homem e em breve os artistas presentearam os Reis, ou quem eles favorecessem, com maravilhas de engenho e riqueza dentro da temática. A Francisco I de França foi por um escultor oferecido um que encerrava, por si talhados em madeira, todos os Mistérios da Paixão.
E para um Infante de Espanha, em esmalte foi confeccionado outro, estando no interior gravados os passos Evangélicos Pascais. No cimo havia um galo mecânico que cantava, pretendendo evocar o da negação de S. Pedro.
Breve a religiosidade seria passada para segundo plano, nesse Século XVIII que tanto A olvidou, acabando por pagá-lo bem caro: Luís XV ofereceu à Du Barry uma jóia oviforme mas já sem conexão sacra, no valor de 400 libras, fazendo Boufflers proferir a frase que entrou no adagiário: se o comerem quente, eu guardarei a casca.

Mas o cúmulo do esmero terá sido atingido com a companhia russa Fabergé, a quem Alexandre III, para agradar à Mulher, a Czarina Maria, pediu que fabricassem um ornato da célebre forma, visando homenagear o nascimento dela no campo que tão querido lhe era. A partir daí o não menos célebre ourives

passou a fabricar todos os anos pela altura das festividades correspondentes à de hoje uma pequena maravilha. O hábito continuou pelos soberanos seguintes, perfazendo 56 o total de produtos da célebre casa, dos quais os mais célebres são o da Coroação e um inspirado no do galicoque antes citado. Todos eles tinham uma surpresa dentro, sendo o primeiro que citei o revestimento de um sumptuosíssimo coche de ouro.
Objecto de meditação - um Imperador querendo o que todos os homens querem, cair nas boas graças de quem amam, recorrendo à alusão da mais simples e generalizada das mensagens. O artesão a quem foi dada carta branca aprisionando o Soberano no supra-sumo da artificialidade trabalhada. É na convergência destes movimentos, o dos Reis em direcção aos arquétipos enraizados nos Povos, como o dos Súbditos rumo à excepcionalidade que honra, que pode encontrar-se a receita mágica na harmonia das Nações.

sábado, 22 de março de 2008

Errata a Eça & Outros Escritos

A 22 de Março de 1933, quer dizer, antes da senilidade que caracterizaria as capitulações poseriores perante Etaline, Franklin Roosevelt autorizou a confecção de vinho e cerveja, embora com graduação ridúcula, mas que constituiu o primeiro passo para a revogação da infame Lei Seca. A efeméride leva-me para outras questões, conexas com o Período em curso.

O Eclesiastes (9-7) manda a cada um beber o seu vinho e comer o seu pão com alegria. Como é sabido, a Nova e Eterna Aliança recorreu aos mesmos géneros para, depois de consagrados, Se transformarem no Corpo e Sangue de Cristo. A Bíblia é no entanto omissa sobre o magno problema de saber se era branco ou tinto o Precioso Líquido usado por Jesus na Última Ceia. Os Luteranos, a certo ponto da contenda com os Calvinistas, insistiram em empregar vinho branco, já que os adversários preferiam o tinto, apesar de, fora do Serviço, Calvino ter proibido a ingestão vínica.
No Catolicismo são permitidas ambas as cores. Não se confirma assim o que Eça pôs na boca de um Sacerdote, no «Crime do Padre Amaro», ser o vinho branco o usado na Judeia do tempo de Jesus, apesar de o tom mais escuro lembrar imediatamente o sangue. Na verdade, dizem os especialistas que a probabilidade do tinto é maior, apenas porque o outro oxidaria muito mais facilmente.
O que é certo é que prezo muito mais a espécie carregada. E note-se que Santo Ireneu reporta um milagre bebido (feliz verbo!) em Marco O Gnóstico, pelo qual uma porção do vinho mais claro teria sido transformada no cromatismo mais escuro. Ora se era dado por milagre, tinha de expressar preferência divina!
Dizia Ésquilo que o bronze é o espelho da forma e o vinho o do coração, o que também encaixa no património cultural que nos fez. Sabendo-se como o espelho devolve a imagem invertida, o Deus feito Homem, sem mácula, pelo Seu Sangue faria os humanos verem-se como pecadores. Toda a linhagem espiritual se harmoniza, portanto.
O Bebedor Contente de Adriaen van Ostade

Não ousarei ir tão longe como o grande académico, escritor, gastrónomo e enólogo mexicano José Fuentes Mares, o qual expressamente estabeleceu serem os povos belicistas bebedores de água e leite, vá lá de cerveja, enquanto que os pacíficos seriam enófilos. Mas D. José possuía dados que não domino, dizia, por exemplo, estar em condições de garantir que cada bombista bebe dois copos de água antes do seu acto malévolo, coisa que nele li pela primeira e única vez. Porém, que metem água no plano moral, não tem dúvida.
Entretanto, o Povo tem, por experiência feito, um saber coincidente com o que os mais eruditos buscaram nas muitas páginas em que queimaram as pestanas. Ora vejamos uma saudação popular da Chamusca:

O Norte é o rei dos ventos,
O alecrim, o rei das flores,
O trigo, é o dos pães,
E o vinho, o rei dos licores.

Este que é o licor
Que dá alegria e riso
E faz perder o juízo
Ao tenente e ao doutor.

Nele se consagra o Senhor,
Filho da Virgem Sagrada,
E eu bebo para que viva
Toda a sociedade honrada.

Cabeças No Ar

Monumento à Glória da Aviação de Lona von Zamboni, representada no medalhãoNa noite de 22 de Março de 1915 um Zeppelin largava umas bombas precursoras sobre as estações parisienses de Saint Lazaire e Nord. Ficava assim deitado por terra o dom profético que Victor Hugo se imaginara e a cuja aceitação universal quase obrigara, entre outras escrevendo:
O balão dirigível é a supressão imediata, absoluta, instantânea, universal, simultânea e definitiva de todas as fronteiras. O guarda-barreira de Erquelines gritará: «Alto! A Alfândega!» - e já o areostato irá a uma légua de distância! São todas as separações abolidas! É a evaporação dos exércitos, e de todas as coisas da guerra. É a colossal revolução pacífica. É o arrombamento da velha gaiola dos séculos. É a imensa libertação do género humano!
Perguntar-me-ão: caso isolado de um irrealista toldado pela necessidade de acreditar nas próprias exclamações? Bem, mas gente menos hipotecada ao Estro, com responsabilidades bem chãs, dizia:
A aviação fundará o regime do Direito e deste nascerá a paz social e a justiça internacional! - Léon Bourgeois, o mesmo que depositava iguais esperanças na Sociedade das Nações, com idênticos e trágicos desmentidos.
Como já em 1910, F. Mallet, sobre o aeroplano: o admirável aparelho que jamais poderá ser enodoado pelo sangue das batalhas.
Tendo perante nós toda a História posterior, em que a Guerra Aérea e os bombardeamentos a partir dos céus se tornaram o principal meio de combate e destruição, caso será para perguntar se estes homens eminentes não seriam cultos demais para a inteligência que possuíam, para tanto confiarem e ainda mais errarem. É o pacifismo obtuso que tem por mau todo o Passado e se acha predisposto a entregar-se de corpo e alma à primeira inovação da esquina, mesmo que ela acarrete consequências imprevisíveis, muito mais desoladoras.
Não se pense que era um sentimento universal. Nos primeiros tempos do balonismo aerostático muitos dos chamados Simples pressentiram que coisas ruins poderiam dali vir, embora circunscrevendo os receios à ameaça mais imediata que conseguiam conceber aos respectivos haveres - que os ladrões utilizassem os engenhos para melhores roubos e fugas. Tanto nas Ilhas Britânicas como no Continente houve manifestações populares para a criação de uma polícia aérea.
O optimismo é o ópio de alguns letrados.

Amor à Arte?


Em 22 de Março de 1895 foi realizada a primeira projecção de um filme, num organismo de apoio à indústria nacional francesa, antes de os Lumière terem aberto a públicos mais vastos a fruição da sua descoberta, no Salon Indien do Grand Café. Industriais de placas fotográficas, como apoio à arte do Pai, fotógrafo e pintor conhecido, esgotariam as capacidades imaginativas do seu invento em instrumento científico e noticioso, contaminando o próprio Progenitor, o qual, arvorado em seu empresário, recusaria vender por uns astronómicos 25 milhões de francos a patente a um certo Georges Méliès, que viria, noutro 22 de Março, dois anos mais tarde, a abrir o primeiro estúdio cinematográfico, em Montreuil, como a inventar muitos dos rudimentos da especificidade fílmica.

Tratava-se de um ilusionista profissional e é curioso que tenha ficado como característica principal própria do Cinema a ilusão, desde os truques de gravação ao jogo dos planos, distinguindo a respectiva linguagem da do teatro filmado, esse sem a componente de engano.
No mundo dos inventores do Cinematógrafo a tónica estava toda no registo, parecia não haver lugar para a imaginação e a fantasia. A temática que escolheram para a experiência pioneira diz tudo: a saída das operárias das suas instalações fabris.
Hoje temos como indissociável da Sétima Arte a superação da Realidade. Mas quem terá mostrado amar mais o novo meio de expressão? Muitas vezes me tenho perguntado se não seriam os seus inventores, valorando-a independentemente dos adornos com que o sonho mascara o rigor...

Desfastio Não É Resgate!

Todo o santo ano é o mesmo travo de repulsa pelo espectáculo das crucifixões voluntárias nas Filipinas. Sim, eu sei que, dentro do Catolicismo, desde que não desrespeite Dogma, menorize a Igreja, ou prejudique terceiros, deve ser dada uma razoável latitude a cada um na forma de se relacionar com o Sagrado. Mas partilho inteirinhas as reservas da Santa Sé quanto a estas inflicções de sofrimento pessoal e paradoxal, uma forma primitiva e rude de adoração, que não tem a homogeneidade dos votos ascéticos, nem participa da ânsia de fusão dos Místicos que recebem os Estigmas, com a agravante de corporizar um mimetismo alienante do Significado do Calvário, quando nada está em jogo, salvo o exibicionismo, ainda que bem intencionado.
Agora, quanto aos espectadores estrangeiros e abonados que se instalam nas esplanadas, de refresco e guarda-Sol em riste, para encontrarem naquele sabor local sofredor um ingrediente de distracção das suas vidas ocas, ao pensar-lhes as costas, não consigo impedir-me de reconhecê-las como território evidentemente usurpado pelos cremes bronzeadores àquele que de pleno direito pertencia ao chicote.

sexta-feira, 21 de março de 2008

À Sombra da Cruz

Consulto a cruz a respeito da minha natureza, e responde-me que eu sou um aggregado mysterioso de grandeza e de baixeza. Que grandeza em mim! A dignidade da minha natureza é tão eminente que Deus a resgatou com preferencia aos anjos, que deixou sem redempção. A minha salvação é tão prezada de Deus que, para a operar, um Deus desceu dos céos e veio morrer na cruz.
(...)Ao lado da nossa grandeza, a cruz mostra-nos a nossa baixeza e miseria: ella diz-nos que o peccado nos lançou em tão profunda miseria, que eramos, por nós sós, incapazes de nos levantarmos, incapazes até de offerecer a Deus offendido a menor reparação.

M. Hamon
Cristo na Cruz de Philippe de Champaigne

Em virtude do peso único da Sexta-Feira de Paixão não haverá hoje mais postagem, retomando «As Afinidades Efectivas» o ritmo habitual já amanhã.

quinta-feira, 20 de março de 2008

O Voto

Pilatos Mostrando Cristo e Barrabás à Multidão, de Il Morazzone

Hoje é o dia do beijo que ameaçou dar mau nome a todos os demais. O do Iscariotes, pois. Mas, para pecado dos nossos males, o significado de amanhã não foi o de outro dia. Pilatos agiu como mandam os bem-pensantes de hoje - não interferindo nos assuntos internos de outro povo, sob ocupação sua, muito embora. Fez o que os individualistas preceituam quanto a responsabilidade, não querendo sujar as mãos próprias com sangue inocente, mas marimbando-se para a vergonha de pactuar com o acto pelo qual outros o vertessem. Portou-se como bom marido, tentando um truque para salvar um Acusado que via sem culpas, atendendo aos rogos angustiados da Mulher, impressionada pelo sonho que tivera. Foi mesmo a única pessoa que fez uma pergunta a Que o Filho do Homem não deu resposta, a célebre O que é a Verdade?
Por que será então que faz tão má figura na História? É evidente que por ter sido instrumento da Democracia contra a Justiça, ao dar-lhes o Barrabás que pediam. Que ele viesse a chefiar gerrilhas contra as forças do seu País era só o condimento necessário a abrir os olhos para o desastre da abdicação de autoridade proconsular a quem não partilhava da Fé. E fazer-lhe ver que perguntar onde está A verdade é a própria essência da Mentira.
Mas então, ainda não descobertas as trafulhices financeiras que o fizeram morrer exilado, era um homem respeitável.
Dir-me-ão logo os moderadinhos de todas as épocas que a maldade só se aplica às assembleias populares informais, que um parlamento de que a escumalha esteja afastada é muito outra coisa. E eu contraponho-lhes o exemplo da própria Nação do magistrado justiçado pela memória histórica: o orgulhoso Senado Romano foi o mesmo que votou a amnistia para os assassinos de César, assim abrindo caminho para os epígonos que recusam votos de pesar pelos morticínios de Reis e Príncipes. E foi o mesmíssimo que anulou o decreto com a nomeação do sucessor por Tibério, substituindo o nome pelo de Calígula, inspirando todos os tiranetes com menos pompa, os quais se limitam a matar "indirectamente" os que não têm poder, desde aqueles que dependem para tudo de quem os gerou, como os que não formam grandes aglomerados eleitorais e, para castigo, vão sendo desprovidos de maternidades, escolas e hospitais.
Mas uns e outros, exemplos e fiéis seguidores deles, são homens respeitáveis.
Recuso tanto o triunfo do número nas conglomerações da canalha ululante, como nos areópagos das mordomias e do penacho.
Não sou dos que votam, mas enquanto não calarem este meio, não farei como o egoísta que pensou tranquilizar-se, lavando as mãos.
Mas claro que aqueles que nos governam são homens respeitáveis.
A todos uma Santa Páscoa!