quarta-feira, 26 de março de 2008

Pacto de Aço

Túnel na Baía de George GettoesSempre que cheira a uma grande obra pública surgem de todo o lado considerações técnicas que exalam um fedor de técnicas de outras considerações. A última foi a pressão, ao que parece com fundamentaçoes a contento, para serem construídos túneis em vez de pontes como ligações à Outra Banda. Há, ultimamente, uma má vontade contra as passagens aéreas do rio que me deixa assombrado. Um comentador que até escuto com interesse superior à média, Manuel de Lucena, dizia, no outro dia, que não tinha a certeza de gostar da vista lisboeta com mais pontes! Pelo contrário, eu acho que até pode beneficiá-la, desde que haja sensatez na arquitectura. Como houve, nas duas que estão.
Para uma completa transparência do buraco, há que atentar no que está em jogo, em termos de interesses. O próprio parecer confessa que seria um empurrão à indústria nacional do aço, se a escolha recaísse sobre aquele material. Isso parece-me motivação atendível, a qual dispensaria argumentos laterais, que apenas tornam mais duvidosa a solução apresentada para o problema. O da segurança, por exemplo. Deixem que cite o que outro especialista renomado, Cassiano Branco, escrevia em 1949, apavorado com a perspectiva de um sismo:
Arredar completamente a ideia de construir túneis sob as colinas de Lisboa para facilitar o trânsito de veículos e peões interbairros, e nem sequer admitir a hipótese da construção do tão falado metropolitano.

12 comentários:

cristina ribeiro disse...

As cidades como Londres, Paris, Budapeste ou Praga, devem muito do seu charme às pontes que atravessam os seus rios. Haja bom gosto!
Beijo

O Réprobo disse...

Claro está, Querida Cristina, que o Tejo Lisboeta tem uma dimensão que evitou a construção de pontes históricas, como nessas duas belas cidades. Mas parece-me possível, dentro da modernidade, ou dos posfácios a ela que resolvam inventar, fazer obra que acrescente esteticamente, segundo o conselho que, lapidarmente, deu.
Beijo

cristina ribeiro disse...

Pois, Paulo, eu pensei nessa questão, realmente, mas penso que ela não obsta a que se faça um bonito conjunto de pontes, desde que haja o tal bom gosto e equilíbrio.
Beijo

O Réprobo disse...

Sem dúvida, Cristina. É tudo questão de bom senso e bom gosto.
Beijinho

Anónimo disse...

Plenamente de acordo, Caríssimo Amigo. Consigo e com Cassiano Branco.

Aliás, é de recordar que há uma falha geológica activa a passar ao longo do último trecho do rio Tejo, desde Sacavém até à foz... O que levou Á opção por uma ponte suspensa metálica (a «Ponte Salazar») em detrimento de uma de betão. Isto porque o betão não tem grande resistência à fadiga nem suporta deformações acentuadas, ao contrário de uma estrutura reticulada em aço, como a dita ponte.

Dito isto, a escolha do betão pré-esforçado para a Ponte Vasco da Gama afigura-se-me um erro crasso, apesar da obra ter beleza estética na secção suspensa (porque o resto é um simples pontão, feio, e cuja única vantagem reside em ser baixo e ter - literalmente - «low profile»).

De facto, um deslocamento maior da dita falha, ou um sismo mais prolongado ou de maior amplitude, fará estalar a estrutura como se fosse de vidro.

E a ideia de um túnel, a passar pelo fundo de um rio eivado de sedimentos e de uma falha geológica de deslocamento transversal é pura imbecilidade.

Enfim... por um lado, está o lobby do cimento, e por outro o do aço. Mas não haverá Alguém que acabe com estes malditos lobbies?

Um grande abraço.

Anónimo disse...

Mais uma coisa, Caríssimo:

Quando li o título do seu postal, pensei por momentos que se estivesse a referir ao Pacto de Aço entre a Alemanha e a Itália... Mas não estamos ainda a 22 de Maio! :-)

Abraço.

O Réprobo disse...

Ehehehehehe, Meu Caro Carlos Portugal, não Lhe escapa nada, era justamente esse o trocadilho.

Para um leigo como eu os túneis não se apresentavam como grande espingarda, na hipótese de uma catástrofe, mas claro que não saberia fundamentá-lo. O que me irritou foi a invocação, pelos vistos falaciosa, de maior segurança comparativa. Contentassem-se em dizer que seria bom para um sector industrial, já seria um critério, não era preciso enganar o pagode.
Abraço

Anónimo disse...

Caríssimo Amigo:

Quanto a «enganar o pagode», sabemos ambos bem que a política actual se baseia principalmente na «gestão da mentira», constantemente aplicada pelos políticos e CEOs. Está-lhes no sangue, meu Caro, e enegrece-lhes a alma!

Não lhes interessa o bem de ninguém a não ser o dos interesses mais ou menos obscuros que eles representam. Tudo o mais é apenas cosmética para mascarar os verdadeiros objectivos. Já não há ideais, apenas «good business» - para alguns, claro.

Grande abraço

O Réprobo disse...

E neste caso, Caro Carlos Portugal, os cordões à bolsa que se abrem para lhes dar lucros prometem ser em cabos de Aço.
Abraço

Anónimo disse...

Nem mais, Caríssimo! Hehehehe...

Abraço.

Luísa A. disse...

É impressionante esse alerta de Cassiano Branco, caro Réprobo! Não o sendo menos o pouco caso que, sob a pressão dos interesses económicos, fazemos hoje das questões de segurança. Trabalhei numa empresa que esteve envolvida na construção da ponte Vasco da Gama e das últimas linhas do Metro, e ouvi, a gente entendida, comentários que não confortam. Estamos num ponto do conhecimento que até os efeitos das grandes catástrofes naturais nos permitiria mitigar, senão evitar, se o homem não fosse tão ganancioso.

O Réprobo disse...

Querida Luísa, é justamente a ganância que salta à vista, confessadamente, no estímulo que a encomenda daria à indústria nacional do ramo. Tem,portanto toda a razão.
Uma coisa que me irrita é que não se assuma isso, como o risco corrido. E se torçam os restantes critérios, para tudo bater certinho...
Beijinho