Domínio Que Se Esvai
O Piano Silencioso de Nguyen Dihn Dang
Quanto mais ténues são os contornos de cada concretização da nostalgia, infirmando o carácter vago que a atenção dos observadores lhe associa, lutam sem quartel dois desejos por um espaço que tem a fenda do abismo continuamente a alargar-se: Pretender conservar uma imagem daquilo que se quis e fazer por afastar a dor da falta. É do clamor imenso desta refrega que estoira o silêncio condizente com a ausência, tornando cada vez mais longínquo o oásis propiciador de algum consolo, a memória a que procurávamos encostar-nos. Qual das duas será mais terrível, a dor pungente das imagens que nos assaltam, ou a impotência progressiva de as reconstituirmos?
De Marta Mesquita da Câmara,
SAUDADE
Alguma vez soubeste o que é saudade,
Que faz da nossa vida uma agonia?
Alguma vez no espaço dum só dia
Sonhaste percorrer a eternidade?
Perdeste alguma vez a Liberdade?
Sentiste emurchecer tua alegria,
Como ao cair da noite murcha o dia,
No derradeiro tom da claridade?...
Se nunca presumiste o que era amor,
Despindo as galas e vestindo a dor.
Se uma saudade, enfim, não conheceste,
Não saias do limite da razão
Para atender a voz do coração,
Que o maior mal ainda o não sofreste!...
Quanto mais ténues são os contornos de cada concretização da nostalgia, infirmando o carácter vago que a atenção dos observadores lhe associa, lutam sem quartel dois desejos por um espaço que tem a fenda do abismo continuamente a alargar-se: Pretender conservar uma imagem daquilo que se quis e fazer por afastar a dor da falta. É do clamor imenso desta refrega que estoira o silêncio condizente com a ausência, tornando cada vez mais longínquo o oásis propiciador de algum consolo, a memória a que procurávamos encostar-nos. Qual das duas será mais terrível, a dor pungente das imagens que nos assaltam, ou a impotência progressiva de as reconstituirmos?
De Marta Mesquita da Câmara,
SAUDADE
Alguma vez soubeste o que é saudade,
Que faz da nossa vida uma agonia?
Alguma vez no espaço dum só dia
Sonhaste percorrer a eternidade?
Perdeste alguma vez a Liberdade?
Sentiste emurchecer tua alegria,
Como ao cair da noite murcha o dia,
No derradeiro tom da claridade?...
Se nunca presumiste o que era amor,
Despindo as galas e vestindo a dor.
Se uma saudade, enfim, não conheceste,
Não saias do limite da razão
Para atender a voz do coração,
Que o maior mal ainda o não sofreste!...
12 comentários:
Querido Réprobo, já lhe disse que amo a poesia?
Lembrei-me de um dos meus preferido, Pablo Neruda, quando li este seu post.
«... Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade: aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades, passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.»
Um beijinho.
Pronto. Hoje vocês- o Paulo e a Ana- apostaram trazer à memória aquele livro, que afinal não deve ser uma memória, mas estar sempre presente, de Saint Exupéry: é que o criarem-se laços traz, inevitavelmente, a saudade...
Beijo
Parece-me que estamos sintonizados hoje, Paulo. Esta coisa da saudade tem muito que se lhe diga. Não é só o amor que é "um contentamento descontente", a saudade é-o, igualmente. Um pouco de masoquismo, talvez, mas ter recordações é pelo menos ter vivido. De resto, estou com o seu homónimo chileno, aqui tão bem recordado pela nossa amiga Fugidia: a ausência de memórias (e portanto de saudades) é o pior dos sofrimentos, porque significa o vazio absoluto. Não imagino pesadelo mais tenebroso do que essa ausência.
Um beijinho
Querida Fugidia,
é uma prevenção contra o vazio que levou muita gente a localizar nas participações do sofrimento a própria realização da naturalidade humana. Claro que agarrar as memórias do que se viveu e conheceu é um expediente para se continuar a existir, o que leva a uma dor menos aguda mas mais acabrunhante, a que corresponde ao momento em que as próprias recordações desertam.
Beijinho
Querida Cristina,
claro que o condimento sentimental é obrigatório para, amalgamado com a perda, conduzir a esse transporte de nós para um Pretérito em que nos sentimos maiores, porque juntos de um objecto de afeição. O livro do Saint-Ex. cruzou-se na minha vida pela intermediação de mais do que uma pessoa que a ele aderiam incondcionalmente.
Beijo
Querida Ana,
a sintonia foi claramente inspirada pela leitura do postal da «Porta do Vento».
Parece-me não haver dúvida entre a diferença de grau de insuportabilidade do desejo dirigido ao que se viveu e daquele que aponta para o que se não conheceu. A sabedoria popular, como é costume, tem sentenças para um e outro lado, sobre ser pior conhecer e perder, ou não chegar sequer a ter, alguma vez. Mas do ponto de vista da dimensão interior, que o sofrimento serve para intensificar, não tenho dúvida sobre a superioridade da experiência dolorosa sobre a dolorosa preservação dela.
Bjinho
Saudade, sim.
Ficou o aviso e o remédio contra o sofrimento: "não saias do limite da razão...". Mas já se sabe que os avisos não bastam e os remédios não chegam.
Abraço.
À intervenção anónima lembraria o que escreveu Borges:
"A recordação é uma maneira que temos de modificar o passado".
Meu Caro JSM,
mas lá está, se esse sofrimento é coisa melhor do que a esterilização que lhe consubstanciasse a ausência...
Abraço
Tenho imensa pena em nunca me ter interessado por poesia. Uma grave lacuna, sem dúvida. Quanto ao quadro, a técnica do senhor vietnamita que o pintou, é boa. O Dali não faria melhor, eheheheheh.
Ehehehehehe! Aliás, segundo li, foi a grande influência deste Pintor de origens tonkinenses.
Quant à Poesia, Meu Caro Nuno, penso que a capacidade de a fruirmos, como de a extrair das menos previsíveis fontes, ajuda imenso a suportar a vida...
Abraço
Enviar um comentário