sexta-feira, 14 de março de 2008

O Diabo a Sete

Vai na net um pan-demónio, a que só reagiu com notoriedade a Nobre Voz do João Távora, contra o "crime" que teria sido a Igreja chamar a atenção da catástrofe moral correspondente a condutas egoístas que configuram os chamados Pecados Sociais. As leituras apressadas, nuns casos, má-fé, noutros, ou tentativa de gracejo, em mais alguns, fizeram, contra os esclarecimentos prestados pela Hierarquia, com que desatassem a assimilar o momento doutrinal a um acrescento dos Sete Pecados Capitais, as grandes categorias enformadoras do Mal como tentação.
Chamados à pedra, surgiram as inevitáveis troças visando a escala pecaminosa. Chegámos a um ponto em que não se estranha uma graduação de responsabilidades e crimes pelo poder civil, nem a penalização de condutas emergentes, por vezes até sanções administrativas independentemente de culpa, mas tenta-se por a ridículo a condenação de comportamentos nocivos por quem pesa muito mais a necessidade das mudanças e a censurabilidade dos sujeitos.
Parece-me esta leviandade ser, mais do que um resquício chic de anti-clericalismo, a eterna capitulação de nos crermos somente capazes de pecadilhos, enquanto que os outros o podem ser de monstruosidades. E, em consequência, de encarar os alertas contra a ausência de consideração pelo Próximo como invasões insuportáveis da nossa eventual esfera privada.

Aliás, esta recusa do que não estava na mesa, do reforço do elenco das faltas mortais, impregna-se de todas elas, de uma só vez. Vejamos:

Avareza- Não querer compartilhar o conceito de Pecado Capital com nenhum outro que os do grupinho consagrado.

Ira- A pressa em atirar-se à Santa Madre Igreja, por desaconselhar condutas que o bom senso e a Integridade também mandam afastar.

Orgulho (Soberba)- A recusa de se submeter à culpa subjacente a tristes comportamentos em voga.

Preguiça- A abdicação de auto-exame e de julgar aqueles com que se convive, invertendo os papéis e quase chamando prevaricadora à Santa Sé, uma versão light do Pecado Contra o Espírito Santo, que responsabilizava Deus pelo Mal.

Gula- da notoriedade, mesmo insignificante, que umas linhazitas demarcantes com vaga aura de heresia dão.

Luxúria- O apego aos prazeres que uma estrita conformação com o preceituado na só aparente inovação vedaria.

Inveja- de Quem pretende o Homem mais puro do que os detractores se querem ou julgam capazes.

Em qualquer caso, a predominância do eu libertário sobre o sentido do Dever de não afrontar ou prejudicar o outro, respeitando-o como surgiu ou tentou surgir neste mundo.
Jorge Luís Borges disse que os Sete Pecados Mortais eram um só, a Crueldade. Estas chocarreiras reacções, na indifrença pelo devido a Outrem, dão inteira medida da razão que tinha. E, quando se cai em apregoar que o Diabo não é tão mau como o pintam, é fácil adivinhar que tridente estará por detrás...

6 comentários:

CPrice disse...

Amigo Réprobo .. tenho para mim que na maioria das vezes o nosso problema, comuns mortais, é a dificuldade em destituir a Igreja e os Ensinamentos de Jesus, da mácula feita pelos homens que em seu nome actuaram ou actuam ..
Quando se condena o agravamento do fosso social e financeiro entre classes e disso se constitui pecado capital, eu, mera humana nem sempre solidária com a miséria alheia mas ainda assim não totalmente desprovida de coração, dou por mim a pensar que se a Igreja utilizasse metade dos seus “tesouros” esse fosso seria consideravelmente menor.
Quando a lume vêm noticias terrificas de abusos físicos e de poder por quem deveria pela vida velar, não consigo evitar uma expressão de nojo puro e talvez maior revolta por saber que esses actos são cometidos por gente que apregoa o que Jesus deixou para nos ser ensinado.
São dois pequenos, talvez insignificantes exemplos, não para tentar justificar as vozes que se levantam contra, ou algumas delas, mas talvez para as compreender.
Eu consigo, não assinando por baixo e sem cair em extremismos de opinião, compreendê-las.


Aproveito o “testamento” para lhe deixar os votos de uma Santa Páscoa :)

O Réprobo disse...

Querida Once, absolutamente de acordo quanto à hediondez das infracções de quem tem maiores responsabilidades, que a Hierarquia tem condenado com dureza muito superior as poderes constituídos, nomeadamente a expulsão do Sacerdócio.

Nem um bocadonho de acordo quanto à tecla do fausto eclesiástico. A Santa Madre permite muitas vias paqra chegar a Deus. Quem se quiser tornar Franciscano tem inteira liberdade para seguir esse nobilíssimo Ideal. Mas muita e boa Gente não gostará de ver o culto dvino em que se insere desprovido das insígnias da solenidade. Eu não gostaria, por exemplo. Lembre-Se que a Rússia é hoje Ortodoxa porque o soberano da Moscóvia que abriu concurso público para dotar o País de uma religião monoteísta achou muito mais impressionante o ritualismo da Igreja Grega do que o da Latina.
O correcto, para mim, é prezar a pregação de S. Francisco no que nos respeite e a grandiosidade do testemunho no conjunto institucional.
Mas não era disto que o postal falava...
Santa Páscoa, também.
Beijinho

Luísa A. disse...

Pessoalmente, concordo consigo, caro Réprobo. O mundo tem mudado tão radicalmente, que penso que era altura para uma actualização, por parte da Igreja, do que são, no seu entendimento, as vias de comportamento a evitar e os valores a preservar. Não a tenho num sentido «medieval», dogmático ou punitivo, mas vejo-a como uma confirmação de quase tudo o que o bom senso nos diz, há muito tempo, que são os riscos e as ameaças da modernidade. Se alguma coisa tivesse a apontar seria a lentidão das suas reacções. Mas a Igreja pretende ser um factor de estabilidade e de segurança, e daí, talvez, o seu vagar na maturação de ideias.
P.S.: Não sei, também, se não haverá alguma injustiça na avaliação da sua acção. Mas a Igreja não utiliza as máquinas propagandísticas do poder… até porque o bem-fazer se quer discreto. :-)

O Réprobo disse...

Sem dúvida, Querida Luísa,
toda a mensagem eclesial é de aperfeiçoamento, pela resistência ou arrependimento em face dos actos maus. Para os identificar parece evidente a necessidade de uma doutrina que guie, tanto mais que a indignação dos opositores vocais a ela quase parece pretender estimáveis as repugnantes condutas enunciadas.
Beijinho

ana v. disse...

Tenho que ter mais tempo para responder-lhe, caro amigo. Porque esta merece uma resposta séria e pensada.
Um beijinho

O Réprobo disse...

Como são todas as da Ana. Devagar se vai ao longe, espero com a ansiedade domada pela certeza da categoria da contestação.
Beijinho, Querida Amiga