domingo, 9 de março de 2008

Os Sons da Escrita

Alegoria da Poesia Pastoral de Jean Louis TorsinEliot dizia que era falsa questão a da subsistência do metro e rima na Poesia, pois, para lá das regras de versificação vanguardisticamente postas no museu, haveria sempre um metro e uma rima: o da escolha da medida das palavras e a conciliação de sons entre elas, mesmo que libertas da coincidência formal. Falou-se aqui ontem da ligação entre cores e impressões sonoras. Ora, o que faz a mediação entre elas é o travo poético que se pode desprender de ambas, mesclando-se no espírito do observador e auditor num halo único de harmonia.
Olhando para a quinta-essência poética, vêmo-la nas palavras que são sempre proferíveis no enquadramento das notas musicais, como estas podem ser descritas quer por frases aproximativas, quer por sonoridades embrionárias que, igualmente, podem marcar presença nos vocábulos.
Somos assim reenviados para a adesão especialíssima que tanto podemos extrair de um poema como de uma partitura executada, qualquer deles susceptível de cupideanamente nos ferir pelo éter ou pela leitura, de nos fazer ouvir uma fracção ainda que ínfima dessa Música da Terra que, com inocência ou sem ela, transcende o manto de atrofia que um olhar sempre prosaico estenderia sobre o Mundo, com o inerente e insuportável desgosto de nós.
De Alberto de Monsaraz:

MUSICA e POESIA

Ó Musica, ó poesia, os meus dias fugazes
Enchei de goso e luz, povoae de sonhos bons!
Alma febril d`artista eu quero que te abrazes
Na orchestração ideal dos metros e nos tons.

Que ressonâncias têm as satyras mordazes!
Quanto rythmo não ha nos graves orpheons!
Serás sempre, ó poesia, a música das phrases;
Musica , has-de ser sempre a poesia dos sons!

Irmãs gémeas, no mundo eternamente unidas,
O mesmo coração dá sangue ás nossas vidas,
Em todas as regiões, nos mais diversos climas;

Convosco andarão sempre os meus sonhos em bando,
N´uma allucinação perpétua atravessando
Espaços sideraes de notas e de rimas!
Alegoria da Música de Laurent de La Hyre

8 comentários:

Anónimo disse...

Um momento de encontro entre o que escreve o bloguista e o que a leitora ouve neste momento: Alma Mater, de Rodrigo Leão. Uma daquelas sínteses perfeitas, porque "irmãs gémeas" entre palavras e música...
Beijo

ana v. disse...

Como letrista que sou, tenho especial carinho por palavras vestidas de música. Quando a combinação resulta, acho que não há melhor forma de elevar ambas ao seu expoente máximo.
E parabéns por mais um belíssimo texto, Paulo.
Um beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
espeço que essa combinação, elevatória do que por aqui se vai produzindo e desprimorosa para o Artista que citou, não carregue uma provocação desportiva ínsita no nome...
Parabéns pelo Vitória, se não pela vitória, pois sei que Dividida estava.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Ana,
muito obrigado, estas linhas não merecem tanto.
Se procuro a música - ou musicalidade - de cada texto e a conceptualização de cada melodia, devo dizer que nunca consegui estudar, e hoje não consigo ler, com fundo musical. Ora um, ora outro me distraem do "concorrente", tenho de dar atenção exclusiva a cada qual.
Mas é limitação minha, nada tenho contra a junção dos dois prazeres, claro está.
Beijinho

ana v. disse...

A mim também me distraem e absorvem, mas de outras ocupações e não uma da outra. A música, qualquer que seja, requer a minha atenção por inteiro. Mas é verdade que uma má letra pode destruir uma boa música, e vice versa. Nem sempre o 2 em 1 resulta em harmonia.

O Réprobo disse...

Ah! Isso, sem dúvida!
Beijinho, Querida Ana

Anónimo disse...

:)
Beijo

O Réprobo disse...

Outro. E era "espero", claro.