quinta-feira, 24 de abril de 2008

Aleluia, Shirley!

No dia de anos de Shirley MacLane nada como rememorar uma séria candidata a melhor comédia de sempre, embora, para mim, esse papel caiba por inteiro a «Ball of Fire». Falo de «O Apartamento», de Billy Wilder. O menos provável dos candidatos a paralelo com «Casablanca»; mas há uma hipótese de o tentar, não suficientemente ensaiada, a saber o de resultar uma qualidade-extra da indecisão dos argumentistas. Onde, no mítico filme de Curtiz, Bergman pedia que lhe dissessem sobre qual dos dois, Henreid ou Bogart, "tinha de se apaixonar", na fita que hoje refiro só uma trintena de páginas do script estavam elaboradas no começo das gravações, por o realizador estar indeciso entre fazer uma comédia ou um drama.
A Fran Kubelik que a aniversariante interpreta é um resumo de muitas outros papéis que desempenhou, de ausência de exepcionalidade, reagindo às medíocres condicionamtes da vida, até se comover com a descoberta de um sentimento puro num homem que à partida não era o desejável. É uma actriz incapaz de muitos tons, mas que funciona bem no registo de se exibir ferida, como no de se reconverter, pela comoção. Por algum motivo a minha cena preferida desta obra nem é este excelente final, mas sim aquela em que Fred MacMurray, nem tendo pensado no presente dela, lhe dá dinheiro. Tendo-se começado a despir, perante a interrogação dele, com uma expressão mais do que magoada, responde como me pagavam, pensei que...
E para quem tenha como exclusivo ponto de interesse a discrepância entre o dito e o feito há a velha anedota de, estando a aprender a jogar gin rummy, nos intervalos, com os seus amigos Sinatra e Dean Martin, por chalaça, levantar quatro dedos, enquanto proferia um audível "três!". Como fez isso passar para a filmagem, muito crítico caiu na esparrela de ver ali escarrapachada a tese da duplicidade da Mulher, perante o embevecimento do Director, sempre pronto a encorajar extrapolações subtis que fizessem crescer o seu trabalho.
Toda esta descoberta, no entanto, ficaria comprometida com uma intérprete mais dominadora. Quer dizer, com uma presença sem a fragilidade sempre lutando pela sobrevivência de Shirley MacLane.

4 comentários:

cristina ribeiro disse...

Se me perguntarem, de chofre, qual o filme por ela protagonizado de que mais gostei, não tenho dúvidas ao responder: «Deus Sabe Quanto Amei».
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
com efeito, um excelente filme! E, segundo as memórias dela, importantíssimo, por a partir dele se ter produzido a sua incorporação no "Clan" de Sinatra: Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford...
Mas o texto é importante, também, porque revela como Visconti deixava uma enorme latitude aos actores na composição dos personagens, o que deixava Frank pouco à vontade, já que se dava mal com a responsabilidade dessas opções.
Beijo

fugidia disse...

Neste pedaço do vídeo, o que me deixa emocionada, como em muitos outros filmes/romances/histórias, é o arrebatamento de deixar tudo para trás e ir ter de quem amamos.
:-)

O Réprobo disse...

Querida Fugidia,
neste caso, talvez mais "de quem nos ama". Foi preciso um filme inteiro para lá chegar!
Beijinho