domingo, 20 de abril de 2008

Quando as Pessoas Contavam

Sabe quem me leia há algum tempo que sou hostil às touradas. Mas isso não me impede de repensar a publicidade de rua que, a propósito delas, se fazia, diferente da que conhecemos, na medida em que quer os agentes quer os alvos se reconheciam mutuamente. O Grande Bic Laranja já nos trouxe a antiga Praça de Touros do Campo de Santana, no que foi acolitado por algum admirador.
Hoje queria dar-Vos uma panorâmica, nas palavras de Alfredo Mesquita, do que era o cortejo que apregoava o programa da Festa a realizar nesse recinto de antanho. Era o Bando, regurgitante de colorido, para os Turistas no Tempo se deliciarem:
Como todas as solemnidades, as corridas de touros também têm as suas vésperas. O antigo bando, que andava por essas ruas distribuindo o programma e tocando estridulosos instrumentos de latão, do alto de fabulosos rocins, era já, por si só, uma festa. Tinha o seu quê de phantastico, o bando! Eram homens differentes de todos os mais, aquelles homens; differentes de todos os cavallos, aqueles cavallos; o tambor tinha outro som; o cornetim dava outras notas; e o figles não se parecia com nenhum outro figles... E o vestuário que eles traziam! O que distribuia os programmas punha de esguelha sobre os hombros uma capa de paladino, e o chapéo ao lado, com plumas; os que tocavam vinham de véstia de mangas largas, umas calças que se lhes enroscavam na perna como trepadeiras, bonet de pala como os dos policias desse tempo, e dragonas! Havia ainda outro, o que conduzia a bandeira, de soldado romano, com um capacete que lhe tapava as orelhas e pretendia enfiar-se-lhe pelo pescoço. A obrigação d´elles era correr assim as ruas principaes, mas sempre arranjavam maneira de passar por certas travessas onde morassem pessoas das suas relações.
Nestas eram nomeados em voz alta e apreciados no mesmo tom os talentos musicais que exibissem, bem longe do anonimato que apenas acrescenta ao número, das relações anunciantes que conhecemos. E que pena termos reduzido a palavra bando a criminosos e aves de rapina aparentadas...

10 comentários:

ana v. disse...

Mais uma coincidência, Paulo? É que vou hoje recuperar, a propósito da abertura da "época taurina", um post antigo sobre este tema. Que fará, temo, descer bastante a consideração que V.Exa tem por mim... porque eu sou confessamente apaixonada por aquilo que reconheço ser uma barbárie...
Um beijinho

O Réprobo disse...

E eu a pensar que a Ana ia pegar na coisa pela Publicidade...
Lá descer, desce, um bocado. mas estava - e ainda está - tão alta, que o caso não me parece grave, por aí além.
Não posso aceitar que se maltratem ou matem seres sem culpa. Se quisessem farpear, picar e espadeirar (em Barrancos, presumivelmente) condenados por homicídios qualificados, não me oporia.
Beijinho, Querida e Torcinária Ana

fugidia disse...

Não desce não, querido Réprobo.
Fui ler e é um dos textos mais bem escritos que já me foi dado a ler sobre o assunto.
A AV acaba de subir muito mais na minha consideração (que era, aliás, elevadíssima).
Acrescendo que, como comentei no Porta do Vento, aprecio muitíssimo os forcados e a "luta" entre a força e a inteligência.

Para si, querido Réprobo,
um bom domingo e um beijinho com assinatura :-)

ana v. disse...

Obrigada a ambos, pela paciência de ler um texto tão comprido e avesso a todas as regras da civilização.
Para que saiba, Paulo, as tendências ocultas desta sua torcionária amiga!
Mas o que diria se a tourada fosse Real, hein? O espectáculo é muito ao gosto da monarquia, antiga e actual...
Estou a meter-me consigo, claro. Acho muito bem que não goste, só prova que é melhor pessoa do que eu e que não se deixa levar por gostos colectivos.

Um beijo a ambos

O Réprobo disse...

Querida Fugidia,
lá bem escrito...
Pena o tema, pena o tema. As pegas ainda são o que menos me desgosta, pois o bicho parece ter uma hipótese contra este monstro que é o homem.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Ana,
não me comovia um milómetro. Há que não confundir a Tradição, como princípio informador da Política, com um mau hábito. E se ainda conheço bastantes Monárquicos Tradicionalistas avessos a essas lides, mais raro é o caso de António Sardinha, subscritor de um protesto contra semelhante espectáculo e que, a esse quadrante doutrinário, somava a condição de Alentejano. Isso é que é mais raro!
Não me pense melhor do que sou. Qualquer suavização das minhas insuficiências outra origem não terá que a clemência dos olhos da Ana ou o convívio Consigo.
Bjinho

ana v. disse...

"O bicho parece ter uma hipótese"... ??
Paulo, eu já estive muito perto de um toiro adulto, ao nível do chão e de olhos nos olhos (felizmente para mim, com uma trincheira pelo meio...) e garanto-lhe que, visto desse prisma, o bicho parece uma montanha! É talvez o único momento de uma corrida de toiros em que as vantagens estão todas do lado dele, e o risco é enorme para os forcados, que só contam com os braços, a destreza e a técnica para enfrentá-lo. No resto dou-lhe razão, mas não nisto.
Mas pronto, não se fala mais neste tema. Sigamos para outros, mais pacíficos!
Um beijinho

O Réprobo disse...

Sigamos, Querida Ana. Mas não dissemos coisa diversa sobre o enfrentamento na arena. As simpatias é que andam por campos opostos...
Beijinho

Anónimo disse...

Para quem não é aficionado não está nada mal, não senhor.
Grato pela referência e pelo mote para a semana de 25. É que a toirada de Abril vai bastante adiantada e um pasodoble pode vir a calhar para animar a mais a festa.
Cumpts.

O Réprobo disse...

Ora essa, Caríssimo Bic,
mera questão de justiça!
Como o será, o que direi dessa Festa Crava abrilina, embora no outro extremo da gradação do mérito...
Abraço