segunda-feira, 14 de abril de 2008

Kitsch Kitsch, Bang Bang

Não era um dos mais notórios avatares do Kitsch a utilização decorativa de objectos com pretensões copiadas da arte admirada, em funções que não eram a pensada originalmente? Pois é por aí que vou, na resposta ao inquérito da Ana Vidal, acerca de as Mulheres prezarem esse elemento da toilette, sobre todos o outros: em vez de ser a utilitária protecção que evitasse o contacto com o solo agressor e conspurcante, o investimento na armadura dos pés enviesa-se, por vezes, para os modelos menos confortáveis, os quais exercem uma fascinação cuja causa profunda tentarei sugerir.
Não farei como especialistas quais os da escola de Jean-Paul Roux, que remetem para os arquétipos enraizados remontando à adoração dos Deuses, como a ingestão da água com que se lavava o pé ou a pegada de Shiva. Nem para a conotação óbvia em todas as épocas, mas codificada na Medieval, em que descalçar um dos pés era alusão condescentente ao acto amoroso, a qual por tão estatuída, dispensava as argúcias psicanalíticas de hoje. Tampouco recordarei com detença exagerada, o sinal de penhor em resgates ou empréstimos que consistia em desnudar solenemente um pé. Isso eram atitudes que não eram exclusivas do Belo Sexo. A meu ver, a razão prende-se unicamente com o facto de, em aplicação do gosto, se ter erguido qual critério da aferição do interesse masculino e como factor de aceitação ou despromoção na rivalidade de Cada Uma com as Outras.
Posted by Picasa
Isto porque é impossível ignorar uma certa excitação paradoxalmente aquietante, não primordialmente sexual, antes reportando-se à globalidade da relação, que assenta na percepção de que o ser amado atenta em pormenores que, pensam inocentemente Elas, estão longe de serem o imediato pólo que prende as atenções masculinas. De igual modo, no mundo exclusivamente feminino, a produção demasiada nos trapos e nas carteiras, desmentida pela falta de requinte nas chancas, é prova segura de inferioridade e suficiente para condenação.
A recusa do óbvio está intimamente associada ao riscar da pedra que provoca a faísca incendiária. A necessidade íntima e inescapável de uma certa dissimulação que faça deter o domínio da coisa, mas aparente ceder a iniciativa a eles é uma constante das relações adultas, embora possa ser infirmada pelo desespero das diferenças de maturidade enquanto teenagers. Alphonse Karr dizia que o Amor é a única caçada em que o Caçador se entretém a fingir que é a caça. E quase todas sofrem de um pequeno adorável vício, o de, desejando ser amadas pela sua globalidade, tentarem apurar qual o pormenor que faz cair a presa no admirável e desejado laço. O conselho que dou aos meus congéneres é que, delicadamente, nunca satisfaçam por inteiro essa curiosidade. Em subsistindo a dúvida, as desconfianças confiadas encaminham-se para os sapatos, pois então...
Ufa, como dizia, mais coisa, menos coisa o Presidente Aznar, desta já me livrei.
A primeira imagem é Ultra-Móvel de Kurt Seligmann

10 comentários:

fugidia disse...

Meu caro Réprobo, nestas questões sou muito sintética: agradam-me muito os pés bem tratados.
No "pacote" total, admiro quem se preocupa com todos os pormenores, mesmo com os que estão (a maior parte do ano) bem escondidos.
É um excelente sinal, sedutor...
:-)

Anónimo disse...

Oh querido Réprobo.

Sempre que há uma ação (acção?), um fato, existe, obviamente, a sua representação.

Eu não sei, mas disse aqui que faria um post a respeito, responderei a si e ao inquérito da queridíssima Ana Vidal.
Há uma promessa disso lá no Sub Rosa.
Mas uma coisa é certa: ninguém conseguiu resolver esse mistério. Mas que o final de sua resposta é adorável, ah! isso é.

Seja lá qual for o gosto pessoal, individual, não se pode esquecer o apelo erótico, sedutor desse "acessório essencial".
Sem um bom e belo sapato de belos hells, não resulta, ou pelo menos demora. hohoho.
Vou logo dizer uma coisa aqui que aprendi há anos, no século VI A. C:-)

É que maiores são os heels maior a obsessão. Pelo menos quanto a mim. Dizem que ao forçar para cima o arco do pé, um par de saltos altos obriga a mulher a empinar seios e nádegas e que isso torna o andar meio que ondulante. (No Brasil dizemos outra coisa)
Ah querido Amigo Réprobo, tal como a Fugidia eu também só gosto de meus pezinhos, limpinhos, pelo podólogo, bem entendido, tratadinhos, e muito bem vestidos, digo, calçados.
Mas.. quando é o caso a-há!
qual anda,r qual nada. Mulher já nasce sabendo como posar e como andar, de acordo com a situação;-))E o andar com um lindo sapato, de magníficos hells, pode ser entendido pelos que gostam de dominar como uma oferta e pelos que gostam de ser dominados como uma ordem.

C'est ça! Aí reside, justamente, o *poder*(?) do salto agulha, ele torna a mulher, ao mesmo tempo, submissa e agressiva, fetiche e fetichista, predadora e presa.

Mas por que isso é assim. Não vejo ninguém ter como fetiche uma camisola (camisa) saia, bolsa... entende o que quero dizer?

OMG!, my Good Lord, fui eu mesma que escrevi isso. Claro que não, alguém escreveu por mim. Não consegui dominar as mãos.

Socorra-me, meu caro Amigo Réprobo.

Leia primeiro, se achar que pode dar sarilho não publique;-)
Confiante e pressurosa, Sua Amiga
Meg

O Réprobo disse...

Querida Fugidia,
caso para dizer que nos pormenores é que está o ganho... Ainda bem que não acha que as minhas conclusões não têm pés nem cabeça. Se o tema me garantia os primeiros, há sempre o risco de mostrar não ter a segunda...
Beijinho

O Réprobo disse...

Queridíssima Meg/Jesica,
ficamos então suspensos da promessa de desenvolvimento no «Sub Rosa». Claro que os heels são verdadeiros Hells, como jazidas das tentações que põem qualquer utente ou mirone deles em bicos dos pés... Pelas remissões para o imperium dos apelos que a Meguita tão bem descreveu.
No meu postal deixei o caminho aberto para a constatação dessa via, embora julgue que não se restringe a ela o amor da Mulher pelo calçado. Ou seja é coisa maior do que querer fazer do homem... gato sapato!
Beijinho, Querida Meg, vão ser dois dias que parecerão dois séculos! Que tudo corra bem.

Anónimo disse...

"Menudo peñazo he largado".......Aznar dixit......

Anónimo disse...

¿Quién tenía más zapatos? ¿Imelda Marcos o Joan Crawford?

ana v. disse...

Ah, Paulo, eu sabia que daqui sairia uma explicação a preceito! Não "a" explicação definitiva (essa continua no segredo dos deuses, e ainda bem, ou deixaria de ter tanto mistério) mas um fantástico e esforçado contributo de alguém que, ao contrário de mim, nunca tem preguiça de esmiuçar os assuntos até obter respostas. Obrigada pela resposta - de luxo! - à minha pergunta. Como se vê, o assunto tem pés para andar.
E agora ficaremos ansiosamente à espera da resposta da nossa Meg (que também nunca é preguiçosa)
Beijinhos

ana v. disse...

Esqueci-me de dizer que o título deste post me lembrou logo o filme cujo nome ele glosa, e que a música desse filme até agora não me saiu da cabeça. será que foi praga, amigo Réprobo?

O Réprobo disse...

Meu Caro Filomeno,
ora aí fica o desabafo na pureza original!

A Imelda era dada como recordista do Mundo... e como era posterior...
Abraço

O Réprobo disse...

Querida Ana,
é bem possível, está tudo ligado, ehehehehe. Espero é que, motivada pela temática, não a use como fundo musical de um exercício de sapateado...

As respostas vivem de apalpadelas, já se sabe. E não é pequeno trabalho conseguir uma teoria que não se revele como absolutamente extravagante a um vasto conjunto feminino. Da interacção das nossas intuições poderá nascer a elevação do salto... ai, que lá voltamos ao mesmo!
E sim, a dupla Jessica/Meg promete arrasar.
Beijinho