quinta-feira, 24 de abril de 2008

Com Paixão

De todos os Homens do 24 de Abril, S. Vicente de Paulo está muito longe de ser o menor. Antes, de três séculos e picos, de António Gedeão ter escrito na «Pedra Filosofal» que o sonho comanda a vida, tinha-o dito ipsis verbis este ex-escravo de um alquimista.
Nascido pobre, não se deixou numa primeira fase tocar pela alegria na pobreza dos Franciscanos que o educaram, tendo escrupulosamente cumprido os seus deveres sacerdotais para melhorar a sua situação. De cada vez que parecia consegui-lo um novo imprevisto o mergulhava em miséria maior, até que, depois da inspiração da passagem por Roma, haveria de ascender a Capelão da Rainha. Abdicar de uma notável liberalidade Desta em favor dos que mais precisavam acabou por ser o mais fácil da compaixão que a partir daí encetaria. Focando a sua acção nos doentes, os que tinham ainda menos que nada, logo resolveu, tocado por Bérule mas alheio ao misticismo Oratoriano, que dar era muito pouco, só dar-Se poderia contar. Assim nasceu a sua concepção de Serviço dos Pobres, a qual, beneficiando do contacto com a família Gondi, levaria não apenas conforto material, mas facultaria o bálsamo dos cuidados femininos aos que nem podiam sonhar com eles, através da mobilização de Senhoras de Boa Vontade nas Confrarias, antepassadas das Conferêncas de Ozanam e das posteriores Voluntárias da Caridade. Simultaneamente, veiculava a Assistência Maior, levando o Cristianismo militante a uma multidão de camponeses subevangelizados e despertando vocações sacerdotais numa época que também ameaçava crise delas.
Não se satisfez com o seu esforço. Pedindo a Deus que Lhe mudasse o humor seco e repelente, por um carácter suave e benigno, viria a transformar-se, após o encontro com S. Francisco de Sales, cujo feitio compassivo era unanimemente admirado. E daí à Santidade, aquele terrível passo a que ainda hoje não consigo deixar de ser estranho, a piedade para com os condenados às galés, ao ponto de tomar o lugar de um remador chicoteado, foi para Si um desenlace natural.
Talvez tenha pensado dizer tudo ao interrogar-se: se um homem se move pelo lucro, onde está a sua dignidade? Mas mais explícito terá sido Chesterton, quando envergava as vestes de campeão do Distributivismo, ao condenar os socialismos igualitários - Esses que insistem em dividir estrangulam as alegrias insuperáveis de dar e receber com o coração puro.

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11 comentários:

CPrice disse...

"dar a mão aos que andam pelo chão
sem ter casa nem ter pão
e na vida vivem sós .. "
trauteava a minha filha ensaiando para o espectáculo de fim de ano sobre a vida da Rainha Santa Isabel ..

emocionada ao ler este texto e pelo que me fez recordar.
Cabe interinha a palavra Humanidade no rosto que hoje nos dá a conhecer.

O Réprobo disse...

Querida Once,
e eu encantado por a Figura da Rainha Santa não estar inteiramente sonegada ao conhecimento dos mais novos, a geração da Princesa!
Diz muito bem, Humanidade. Mas levada a um nível de persistência no intento de missão em prol dos que mais precisam que, em termos meramente estatísticos, quase seria de considerar sobre-humana.
Beijinho, gratissimo por saber que Lhe agradou

cristina ribeiro disse...

Dito admirável o dele: sim, onde está?
Acaba-se por cair no vazio, e a vida passa a não ter sentido.
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
e a época de maior decadência é aquela em que o ganho material parece encher as medidas da maioria, sem que dêem por essa vacuidade.
Beijo

Anónimo disse...

ih! ih! ih!, então não é que hoje o PCP veste a pele de amigo dos pobrezinhos...

Anónimo disse...

Também deixou por cá uma grande escola.

O Réprobo disse...

Caro Rudolfo,
sem dúvida, aliás muito bem historiada nos três grossos volumes da «História da Sociedade de S. Vicente de Paulo Em Portugal», elaborada por Maria Angélica Pamplona Corte-Real.
Ab.

fugidia disse...

Viver servindo os Outros é sempre extraordinário no ser humano, que tanto é capaz de fazer muito bem quanto de fazer muito mal.
Vivemos nesta dualidade a vida inteira; ditosos os que escolhem todos os dias o lado do bem.

O Réprobo disse...

E levando a este extremo a dedicação, Raríssimos, bem Dignos do Halo que amplamente mereceram.
Beijinho, Querida Fugidia.

ana v. disse...

Um exemplo notável, realmente. É destes Homens que se faz a história da humanidade que vale a pena conhecer. Gostei muito de lê-lo, Paulo.
Beijinho

O Réprobo disse...

Muito obrigado, Querida Ana, mas com tal Temática não resta grande mérito a reconhecer ao redactor.
Beijo