quarta-feira, 9 de abril de 2008

Memórias do Matadouro

Na duvidosa efeméride de tanto sangue inutilmente vertido, dois livros esclarecedores. Um, anárquico, repleto de lugares comuns nos fundamentos, mas importante na transmissão do que observou, o de Ferreira do Amaral. Na torrente de ideias e palavras atiradas aos olhos de quem lê falhará na identificação do que estudos científicos insuspeitos e actuais demonstraram, a utilização sem escrúpulos pelos Democráticos de Afonso Costa e Evolucionistas arrastados da entrada na Guerra Europeia como forma de legitimação que conduzisse à aceitação do regime. Mas, para além de um psicologismo pouco consequente, o de atribuir essa obsessão a uma tesura, ou conversa de valentões que nada arriscam do que lhes é próprio, põe a nu um outro aspecto, o da tentativa de justificação de um governo saído de uma revolução contra Pimenta de Castro e carecido de outro título de legitimidade.
Essa diplomacia sem escrúpulos, que fingia defender a preservação do Ultramar enquanto mandava para as trincheiras francesas tropas essenciais à sua defesa, era A Grande Mentira. E prossegue, condenando o Sidonismo, por apenas ter parado o envio de carne para canhão, sem coragem para retirar as tropas insubordinadas por faltas de toda a ordem.
Embarque do Gado, é como é chamado o sinistro envio dos nossos militares...


A outra obra, de um comandante no terreno, Gomes da Costa, é mais documental, embora menos indignada apenas no tom. Nela encontramos os pedidos de material, quadros e rotações que, não correspondidos, tornaram praticamente permeáveis as defesas consignadas aos Militares lusos. A derrocada explica-se por essas fraquezas, pura culpa do governo, como pelo moral enfraquecido que gerou a incompetente leitura das informações de concentração de efectivos inimigos, de identificação do bombardeamento preparatório, da garantia das comunicações e da própria capacidade de perceber a penetração da vanguarda alemã, a qual cortou o arame farpado e conseguiu chegar às nossas posições sem que alguém desse por ela. Daí a debandada, com os muitos nichos de bravura à moda de enclaves. Uma única Arma funcionou como bloco e eficazmente, a Artilharia, o que é uma pálida consolação para mim, por ser onde servia o meu Avô.
Ao primeiro ataque sério, o C.E.P. teve a sua débâcle. As culpas cabem inteirinhas à tríade Costa, Chagas e Norton, que pouco se importaram com a previsível carnificina, desde que se promovessem...

8 comentários:

cristina ribeiro disse...

Não sei se foi na caixa de comentários do Paulo (penso que não, mas...) que disse de um avô que andou pela Flandres, e viu o sangue de muitos amigos tornarem mais vermelhos os campos de papoilas...
Beijo

O Réprobo disse...

Querida Cristina,
também o Meu se queixava da morte de muitos e de uma perda similar à que sofri: o bem-amado cavalo!
Canalhada, essas alimárias dos partidos que só viam a sua utilidade, não olhando a sacrifícios alheios.
Beijo

DB disse...

Que pérolas, caro Paulo.
Já passei revista à biblioteca do meu bisavô paterno, que também por lá andou, mas não encontrei grande coisa sobre esta guerra fratricida.

Um abraço.

CPrice disse...

diplomacia sem escrúpulos .. apanágio de homens sem carácter.

Gostei muito de o ler.

O Réprobo disse...

Meu Caro Duarte,
mas a maior seria o livro do General Ferreira Martins...
Abraço

O Réprobo disse...

Muito obrigado, Querida Once. Não se pode calar o aproveitamento meramente político e o abandono de uma geração de Combatentes.
Beijinho

Anónimo disse...

Prezado Réprobo,
obrigado, mencionei os seus comentarios sobre estes livros na minha reportagem sobre o soldado Milhais, Portugal, Flandres.
(link via meu nome)
Gostaria de saber mais !
:)
Ralf

O Réprobo disse...

Meu Caro Ralf,
obrigadíssimo pelas citações. Já vi o desenvolvido relato que nos proporcionou. o meu Avô chegou a conhecer o Milhões, falando dele com simpatia.
O estado das tropas portuguesas era calamitoso. O Luís Bonifácio dá aqui uma quantidade de preciosas informações a respeito. O próprio Governo de Lisboa, tão apressado em mandar para o açougue a sua juventude, sabia do estado desgraçado do Corpo e pediu aos Ingleses que o reorganizassem, porque era de todo incapaz de o fazer sozinho. Londres respondeu que sim senhor, desde que todas as vagas de oficialidade de Tenente-Coronel para cima fossem preenchidas por ingleses. Com tal é que a jactância jacobina não pôde concordar, porque o que queriam como factor de prestígio ameaçaria tornar-se humilhação...
A indisciplina das tropas era real, com especial visibilidade na Brigada do Minho. Há um estudo de uma Historiadora actual sobre o tema, publicado em revista de que tenho um exemplar, momentaneamente emprestado. Quando mo devolverem, se quiser, posso enviar-Lhe os dados. Lá se fala na única execução de um soldado luso por tentativa de deserção, a de João Augusto Ferreira de Almeida, que teve efeitos contrários aos pretendidos, porque os camaradas viram nela cedência a exigências Britânicas do comando do sector.
Ferreira do Amaral fala ainda de um acréscimo de dificuldades entre o insuficiente número de oficiais da força expedicionária portuguesa - o facto de muitos estarem incompatibilizados entre si, porque adeptos ou opositores de Afonso Costa,. Como vê, uma alegria!
Abraço amigo