quinta-feira, 17 de abril de 2008

O Que o Traidor Traduz

Dia do aniversário de William Holden. Não quero hoje abordá-lo pelo meu melhor filme de sempre, o «Crepúsculo dos Deuses», ou por essa re-citação em causa própria que é o muito injustiçado «Fedora». Nem por «Sabrinas», «Pontes Sobre o Rio Kway» e tantos assombrosos «Picnics». A minha evocação recairá noutra fita de Wilder, com Preminger atrelado na representação, o notável mas incomodativo «Stalag 17».
O grande actor dá corpo a um personagem detestado pelos camaradas internados num campo de prisioneiros de guerra alemão e detestável para todo o público, sendo o natural depositário das desconfianças quando se chega à conclusão de haver no seio do aprisionada grupo um traidor que passa informações fatais aos carcereiros. No fim, claro que o suspeito número um não é o culpado, depois de ter passado por muito vexame e agressão, que envovem o público, considerando-os merecidos, tão repulsivo se oferece o valor facial do personagem.
A reflexão que retiro é a de que, na vida privada, a traição só existe, verdadeiramente, quando se confia e ela surge como uma desconformidade inesperada. O Estado, outras colectividades burocratizadas, podem estatuir em abstracto comportamentos incompatíveis que se vêem como possíveis em qualquer um, porque não estimam ou consideram alguém em particular. Tratando-se de pessoas, ou de pequenas comunidades vivas estribadas na cumplicidade, são a irrelevância ou desprezo do afecto e confiança por nós investidos que traçam as raias da traição, só transplantáveis para o todo de um país quando a nacionalidade e o inimigo dela são sentidos em carne viva e o público e privado confundidos pela mobilização e militância.
Raros Oscars foram tão merecidos, pois este não viveu da empatia com o espectador..

10 comentários:

João Távora disse...

Não se esqueça da nossa reunião logo na YH, 18.30. Promto que não falo de futebol :-)

O Réprobo disse...

Meu Caro João,
como poderia esquecê-lo? E com essa prometida abstenção, sigo para lá com acrescida tranquilidade.
Abraço e até loguinho

Anónimo disse...

Esto no es "Cáritas".........

CPrice disse...

gosto especialmente da reflexão .. concordando que de facto onde não existe relação intima de confiança, lealdade e expectativa também não pode existir sentimento de pessoa ou promessa atraiçoada.

fugidia disse...

Concordo com a sua reflexão, caro Réprobo.
E fiquei com muita curiosidade de ver o filme.
:-)

ana v. disse...

Não vi este filme, confesso. Mas o Crepúsculo dos Deuses é um filme maravilhoso, digno do nome (acho que até Wagner se orgulharia de tê-lo realizado).

O Réprobo disse...

Meu Caro filomeno,
de caridade estou eu precisado depois do desastre futebolístico de ontem.
Abraço

O Réprobo disse...

Querida Once,
é realmente esse o cerne da questão. Só se sente totalmente defraudado quem muito confiou, ao ponto de sentir o ferrão do mais grosseiro desmentido da razão dessa confiança. Lembra-se de Alida Vali, perante Fairley Granger em «Senso», de Visconti?
Beijinho

O Réprobo disse...

Vqale muito a pena, Querida Fugidia. Wilder era sempre digníssimo de se ver.
Beijinho

O Réprobo disse...

Querida Ana,
João Bénard da Costa deu-o serta vez como "o grande filme que ninguém tinha como o da sua vida".
Pos tem aqui, diante de Si, a nova versão do romeiro do Frei Luís de Sousa.
Beijinho