quarta-feira, 9 de abril de 2008

Do Jugo

Este excelente postal da Meg fez-me rever a interpretação de Bette Davis em «Escravos do Desejo/Of Human Bondage», de John Cromwell, baseado num dos livros que marcaram a minha adolescência, o «Servidão Humana», de Maugham. Tendo a fita aqui ao alcance de mão, vi-a, no computador, mesmo. E devo dizer que não consegue transmitir um dos caracteres essenciais do escrito, o da Viciação, porquanto, breve como é, vê sonegada a lentidão volumosa das falsidades, traições e humilhações com que Mildred cativa literalmente Philip. Em vez disso, com recurso a uma opção histriónica próxima da do Mudo, aproveitada por focagens do rosto subsidíárias do Expressionismo dele, transmite-nos bem a Obsessão, que é un sucedâneo, outra forma de prender sem dignidade, com manipulação de sentimentos não-retribuídos. Apesar de sofrer de alguma explicitação excessiva, tal o enunciar de numa relação haver sempre o que ama e o que é amado, como fatalismo na aceitação da mediocridade, as interpretações de Davis e Howard forçam a fita a ser credível, sem, curiosamente, procurarem um registo naturalista.
O resto fica por conta das predisposições ou traumatismos do público, agindo directamente sobre as fantasias ou experiências inescapáveis de quem, na cadeira, se esquece, mas não o suficiente para se não rever, em facto ou potência, na tela.

4 comentários:

fugidia disse...

Gostei muito de ler a "Servidão Humana".
Mas do S. Maugham o livro que mais me marcou, na altura em que o li - uma jovenzita -, foi "O fio da navalha".

O Réprobo disse...

Eu também li bem «O Fio...», embora não possa dizer que me tenha marcado, talvez por o peso ser diferente. Conhece a versão cinematográfica com a maravilhosa Gene Tierney?
Beijinho

Anónimo disse...

Querido Réprobo:
Beautifully said!

O livro é mesmo , não sei se concordaria comigo, uma espécia de livro de formação.
Acho uma pena que Somerset Maugham seja considerado um autor menor.
Nada mais afastado da verdade.
(Aproveito para dizer que o Fio da Navalha é também inesquecível).
Os contos dos Mares do Sul "fizeram a minha cabeça, eu era menina!

Quando cresci, isso foi há pouco tempo , hein? (respeitinho, Mr, Réprobo lol) tenho sempre em mente um conto de W.S.M, intitulado "Comedores de Lótus".

Oh Paulo, querido, veja aí em sua portentaosa e admirável biblioteca qual será o titulo em Portugal,`pois não sei no original ´só sei dizer que um daqueles cuja esência me formou o caráter: impedir sempre que a consciência anestesiada nos faça auto-complacentes, elidindo a nossa autocrítica.

Um beijo grande e afetivamente agradecido pela delicada referência

Meg

O Réprobo disse...

Querida Meg,
O SM (ai, estas iniciais!) foi um excelente observador, faltando-lhe apenas o talento de introdizir a tensão trágica, se exceptuarmos um conto, «A Chuva».
Acho que tem toda a razão em classificar a «Servidão...» como livro de formação. foi-o para mim e para a Ana, como Ela disse, lá no Sub Rosa. E penso que o é por romper com a imagem de que só o certinho, bonzinho e perfeitinho nos pode rodear, em tantas crianças alimentado, estabelecendo um conhecimento de atracções muito mais fatais, porque descobertas. Muita vez me tenho perguntado se o livro teria algum efeito em adolescentes que crescessem em ambientes familiares com a relação dos Pais muito mais carregada, à vista desarmada.
Beijinho
PS: vou investigar o título do conto