terça-feira, 22 de abril de 2008

O Riso e a Noite

Leitura do livro de Maria Filomena Mónica sobre Eça. Tem as virtudes e as deficiências de uma biografia contada a alta velocidade, prende a atenção e vive, algo ingenuamente, do espanto da Autora por o seu Tema e respectivas relações não se sentirem, perante o veneno que pensa existir nas relações entre eles, quer dizer, por não terem uma susceptibilidade igual à da biógrafa.
Um passo merece hoje que o cite, por ser importante para a compreensão das constantes e linhas de força político-culturais lusitanas. É o extracto do discurso do novato Deputado Assunção, comentado por Ramalho e por ele enviado ao amigo, para Newcastle:
Ramalho anotava que «S. Ex.ª principiara por declarar que é homem novo, que não tem conhecimentos dos negócios públicos, que ignora as necessidades da nação, pelo que solicitava dos veteranos nas lides que o guiassem, a fim de poder com os seus companheiros chegar a salvo através das tempestades e dos escolhos deste oceano revolto ao formosíssimo porto, em demanda do qual há tanto tempo navegamos». Sempre enfático, Assunção ia por aí fora. Ramalho analisava a passagem em que ele versara a felicidade dos portugueses: «Com tal pátria e tal povo é realmente impossível que não haja ua satisfação geral e muito bem diz o Sr. Assunção quando, entre os unânimes aplausos do parlamento, S. Ex.ª exclama: "Descontentamento, se o há, está em plano tão inferior que não alcanço vê-lo com os meus olhos"». Eça e Ramalho podiam rir-se. Mas seria Manuel de Assunção e não eles, quem ascenderia a ministro.
Este naco de retórica acaciana na pompa oca e untuosa, como, diria, socrática na cegueira optimista que ignora o cansaço popular, prova que vem de longe o carácter catastrófico das imagens dos políticos, sempre tentados a meter água com o canto do oceano e conseguindo-o amplamente com a incompetência decorrente. Mas há mais: em Portugal, estava a passar o tempo em que os políticos, como em França, ainda hoje, acumulavam as letras com a governação. Breve viriam a nutrir uma desconfiança perante os poetas sonhadores e os críticos incapazes de construir, tão robusta como a que os Realistas viriam a dedicar-lhes, tentando derrubar pelo riso, ironia ou sátira que fosse, o reino dos filisteus. A separação haveria de atingir o zénite quando a ponta da lança que a nova elite intelectual tentou meter no Terreiro do Paço falhou rotundamente, asfixiada nos jogos de bastidores que todos eles desprezavam. Falo de Oliveira Martins. A partir daí o divórcio estava decretado, com a gente da Cultura mais frequentadora do Poder sempre a ser taxada de vender-se e os poderosos mais dados a chamar a si os criadores acusados de subserviência. O que ficou da troça superior com que os melhores espíritos do final de Oitocentos pensaram salvar-nos foi a longa noite da partidocracia que em três regimes nos tem mergulhado na apagada e vil tristeza de uma classe política iletrada e não mais eficiente por isso.
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3 comentários:

cristina ribeiro disse...

Com João Marchante, também digo: continue assim, sem monopolizar o espaço com PSDites, e outros que tais, mantendo-o num nível em que até nos consegue fazer rir das acacianas figuras actuais, digníssimas sucessoras da original.
Beijo

Anónimo disse...

MICTÓRIO PARA CÃES!!!

http://jantardasquartas.blogspot.com/2008/04/o-tal-memorial.html

O Réprobo disse...

Querida Cristina, nem sabe quanto essas minudências partidarecas me enojam, presentemente, ainda mais do que os meus Leitores Habituais possam imaginar.
beijo