Guarda Dum Ar
Visita a Uma Biblioteca de Pietro LonghiA Miss Pearls, em Desdobramento Real, dá uma impressionante relação dos muitos bibliotecários a quem a função não coarctou a criatividade. Uma intimidade com a Literatura diferente da que o General Stumm, personagem de culto de «O Homem Sem Qualidades», de Musil (também ele, também ele...), constatou:
«Senhor bibliotecário» exclamei, «não pode abandonar-me assim sem me explicar como é que consegue entender-se no meio de toda esta... (sim, empreguei levianamente a palavra maluqueira, porque foi a impressão que eu tive) desta maluqueira de livros!» Ele devia ter-me compreendido mal: lembrei-me depois que os malucos têm a mania de acusar os outros de maluqueira(...) Como eu continuasse a segurá-lo pelo casaco, o tipo endireitou-se de repente, como se não coubesse nas calças e declarou-me numa voz que arrastava propositadamente as palavras, como se agora fosse revelar o segredo daquelas paredes:
«Meu general! Quer saber como é que eu consigo conhecer cada um destes livros? Nada me impede de lho confessar: é porque nunca li nenhum!
- Essa agora era o cúmulo! Em face do meu espanto, o homem resolveu explicar-se. «O segredo de todo o bom bibliotecário consiste em não ler nunca, de toda a literatura que lhe foi confiada, senão os títulos e o índice. Aquele que meter o nariz no conteúdo fica perdido para a biblioteca!», confessou ele. «Nunca conseguiria ter uma visão do conjunto!». Fiquei sem fala e inquiri:
«Então o senhor nunca leu um só destes livros?»
«Nunca, com excepção dos catálogos!»
«Mas então você não é doutor?»
«Claro que sou. Tenho além disso a especialidade de bibliotecário. A ciência de bibliotecário é uma ciência à parte. Quantos sistemas imagina o senhor general que existem para catalogar e arrumar os livros, classificar os títulos, corrigir os erros de impressão, as indicações erradas das páginas de títulos, etc.?»
Os grandes nomes que citou, Querida Amiga, distinguiram-se muito nas Letras. Mas terão sido deontologicamente impecáveis enquanto guardiães do Saber? Sempre, tendo por descritivo este passo, estimei a Profissão, pelo sacrifício em prol do Outro, que lhe detectava. Abdicar da Leitura para facilitar a de outrem. Mas recapitulando o texto e a minha vida, descobri em mim uma insuspeitável superioridade sobre o militar austríaco ficcionado a cujo magistério gosto de me imaginar submetido: eu conheci a Isabel, Que é a infirmação de todo este belo palavreado.
«Senhor bibliotecário» exclamei, «não pode abandonar-me assim sem me explicar como é que consegue entender-se no meio de toda esta... (sim, empreguei levianamente a palavra maluqueira, porque foi a impressão que eu tive) desta maluqueira de livros!» Ele devia ter-me compreendido mal: lembrei-me depois que os malucos têm a mania de acusar os outros de maluqueira(...) Como eu continuasse a segurá-lo pelo casaco, o tipo endireitou-se de repente, como se não coubesse nas calças e declarou-me numa voz que arrastava propositadamente as palavras, como se agora fosse revelar o segredo daquelas paredes:
«Meu general! Quer saber como é que eu consigo conhecer cada um destes livros? Nada me impede de lho confessar: é porque nunca li nenhum!
- Essa agora era o cúmulo! Em face do meu espanto, o homem resolveu explicar-se. «O segredo de todo o bom bibliotecário consiste em não ler nunca, de toda a literatura que lhe foi confiada, senão os títulos e o índice. Aquele que meter o nariz no conteúdo fica perdido para a biblioteca!», confessou ele. «Nunca conseguiria ter uma visão do conjunto!». Fiquei sem fala e inquiri:
«Então o senhor nunca leu um só destes livros?»
«Nunca, com excepção dos catálogos!»
«Mas então você não é doutor?»
«Claro que sou. Tenho além disso a especialidade de bibliotecário. A ciência de bibliotecário é uma ciência à parte. Quantos sistemas imagina o senhor general que existem para catalogar e arrumar os livros, classificar os títulos, corrigir os erros de impressão, as indicações erradas das páginas de títulos, etc.?»
Os grandes nomes que citou, Querida Amiga, distinguiram-se muito nas Letras. Mas terão sido deontologicamente impecáveis enquanto guardiães do Saber? Sempre, tendo por descritivo este passo, estimei a Profissão, pelo sacrifício em prol do Outro, que lhe detectava. Abdicar da Leitura para facilitar a de outrem. Mas recapitulando o texto e a minha vida, descobri em mim uma insuspeitável superioridade sobre o militar austríaco ficcionado a cujo magistério gosto de me imaginar submetido: eu conheci a Isabel, Que é a infirmação de todo este belo palavreado.
2 comentários:
Muito obrigada :)
Qye texto encantador.
Querida Miss,
o Encanto é Seu, muito. E, vá lá, também um bocadinho dos livros.
Beijinho
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