Venda de Vendas
O Bluff, de FragonardOntem encontrei na caixa de e-mail, enviado por Pessoa que muito estimo, um inquérito pré-ordenado, com a questão Você acredita que o amor é cego? e as opções sim e não. Como deixei de votar em coisas sem sentido, como eleições, resolvi exercer o meu direito cívico em campos realmente importantes e que a minha consabida ingenuidade insiste em ter por intemporais.
Querem crer que estive 77 minutos hesitante entre pôr a cruzinha na afirmativa, ou na sua desafiante? É que quis escolher, não sem reflectir. Finalmente percebi a vantagem do dia de defeso entre as campanhas eleitorais e o acto, mas só nestas temáticas em que os partidos não esporeiam as tomadas de posição.
O meu problema era o das juntas médicas que determinem a quantificação de perda, numa deficiência. Cego em que sentido? No de não perscrutar no leque das escolhas? Isso parecia-me Romantismo incompatível com as constatações que me acompanharam, pela Experiência, ou simples Observação. Cego quanto aos obstáculos? Isso depende dos temperamentos, além do que o que surge intransponível a uns é uma franquia escancarada para outros. Cego quanto aos defeitos do Ser Amado, que de todo se quer ignorar? Aí sim, durante um certo tempo, nunca nos perdoamos um erro de selecção, pelo que a capa da afeição pelo parceiro é muitas vezes uma sublimação do nosso amor-próprio na corda bamba.
Mas acabei por votar sim. E porquê? Porque detectei, enraizado no nosso património cultural comum, no nosso imaginário, diriam cientistas sociais chatos e compiladores, uma necessidade de fingir a invisualidade da paixão, como incitamento e justificação de investir-se. Depois, fui ver a contagem; e setenta e tal por cento tinham posto a cruzinha no quadradinho positivo.
Pelo que tiro da história uma moralidade irrecusável: o Amor é aquele cego que devemos sempre ajudar a atravessar a rua, tendo em mente que o é à maneira de Miguel Strogoff, são as lágrimas que lhe permitem voltar à clarividência.
Querem crer que estive 77 minutos hesitante entre pôr a cruzinha na afirmativa, ou na sua desafiante? É que quis escolher, não sem reflectir. Finalmente percebi a vantagem do dia de defeso entre as campanhas eleitorais e o acto, mas só nestas temáticas em que os partidos não esporeiam as tomadas de posição.
O meu problema era o das juntas médicas que determinem a quantificação de perda, numa deficiência. Cego em que sentido? No de não perscrutar no leque das escolhas? Isso parecia-me Romantismo incompatível com as constatações que me acompanharam, pela Experiência, ou simples Observação. Cego quanto aos obstáculos? Isso depende dos temperamentos, além do que o que surge intransponível a uns é uma franquia escancarada para outros. Cego quanto aos defeitos do Ser Amado, que de todo se quer ignorar? Aí sim, durante um certo tempo, nunca nos perdoamos um erro de selecção, pelo que a capa da afeição pelo parceiro é muitas vezes uma sublimação do nosso amor-próprio na corda bamba.
Mas acabei por votar sim. E porquê? Porque detectei, enraizado no nosso património cultural comum, no nosso imaginário, diriam cientistas sociais chatos e compiladores, uma necessidade de fingir a invisualidade da paixão, como incitamento e justificação de investir-se. Depois, fui ver a contagem; e setenta e tal por cento tinham posto a cruzinha no quadradinho positivo.
Pelo que tiro da história uma moralidade irrecusável: o Amor é aquele cego que devemos sempre ajudar a atravessar a rua, tendo em mente que o é à maneira de Miguel Strogoff, são as lágrimas que lhe permitem voltar à clarividência.
15 comentários:
"Cego quanto aos defeitos do Ser Amado, que de todo se quer ignorar?" confiando que o mesmo se passe com os nossos próprios defeitos, aos olhos do Ser Amado, porque aos nossos ..
O Amor é cego, acredito, e a Loucura sempre o acompanha (como reza a Lenda que a coloca responsável por tal cegueira)
Os parabéns amigo Réprobo pelos frescos com que nos brinda nos seus artigos.
É cego, mas, trata-se de uma cegueira reversível, ao contrário da outra- como dizia ainda ontem Júlio Vaz Machado, tratar-se-á de uma simples miopia, e, como tal, não impeditiva do acto de enxergar...
Beijo
Querida Once,
claro que esse encosto á reciprocidade é essencial e o desengano propiciado pelas negações de tal comportamento esperado são, muitas vezes, os primórdios do abrir de olhos que nos subtrai (a) tão desejada alienação.
O mérito, no caso, é de Fragonard. Minha é a perversidade de colocar uma pitura que a História da Arte dá como ilustrando suave batota e mero fingimento de não ver, para prolongar os prazeres.
Beijinho
Querida Cristina,
o problema estará pois nas lentes correctivas a que se recorra e no sofrimento que a falta de habituação a elas cause, na adaptação...
Beijo
Paulo, � um prazer que j� n�o dispenso ler estas suas an�lises sempre inteligentes, sens�veis e cheias de humor.
Quanto a cegueiras amorosas, volto � minha tese de sempre: a paix�o � cega, sim, o amor n�o acho que o seja. E ainda bem. Mas... "a capa da afei�o pelo parceiro � muitas vezes uma sublima�o do nosso amor-pr�prio na corda bamba" - n�o poderia ser mais na mouche, meu caro! Os "erros de casting", como se diz agora, custam tanto a engolir que preferimos vestir o nosso parceiro com a pele que gostar�amos que ele tivesse.
N�o sei se ser� cegueira, a n�o ser, talvez, em rela�o a n�s pr�prios....
Um beijinho desta sua leitora fiel (e nada cega...)
Não cega mas, pelos vistos, "quadrada"...
(não faço ideia por que é que o meu comentário saíu assim aos quadradinhos. Ou sou só eu a vê-lo assim?)
Não, eu também vejo os quadradinhos, querida AV; mas não se apoquente, percebe-se tudo muito bem. :-)
Caro Réprobo,
gosto muito do teor deste post mas concordo com a Cristina Ribeiro e com a Ana Vidal: a paixão é cega; o amor não.
O amor poderá é ser míope e tudo depende das lentes que usarmos ao longo da vida...
Aliás, os nossos "defeitos" e "virtudes" são o que os Outros entendem como tal. O que para mim pode ser um defeito para outra pessoa não é. Melhor, o que para mim hoje é um defeito, amanhã pode já não ser...
Beijinho com lentes de contacto...
:-)))
Querida Ana,
a explicação dos quadradinhos a que vemos nascer o Sol da Sua escrita parece-me simples: ficamos sempre prisioneiros das nossas opiniões e das Dos Que estimamos...
Infiro então que votasse no sim, apesar do mas... Foram também considerandos desse teor que me fizeram hesitar. E depois, a recriação do outro, mesmo que em proveito próprio, corresponderá a ser-se cego, ou... visionário?!
Beijinho
Querida e opticamente potenciadora Fugidia,
o que levanta um problema maior: por que é que o tempo faz com que encaremos as mesmíssimas características como inaceitáveis quando, antes, as não lobrigávamos?
E cá voltamos ao mesmo...
Beijinho
Boa questão: cego ou visionário? Talvez visionário, sim. Mas é pena que a clarividência não possa durar a vida toda.
E cá voltamos ao mesmo...
Bjs
:-) :-) :-)
Sim, cá voltamos ao mesmo: andamos em círculo (eu e, espero, ainda a AV, de braço dado; Vexa afastadito mas sob mira, está bom de ver...)!?!?! :-)))
Será que é porque, entretanto, começámos a perceber que não víamos bem e resolvemos ir ao oftalmologista?! :-D
Ou, pegando no post da AV na "Porta", será porque, entretanto, vamos mudamos (por motu proprio) ou porque vamos fazendo percursos diferentes ao longo da vida?
Ou... melhor ficar por aqui...
:-)))
Minhas Queridas Ana e Fugidia,
não será antes porque a ilusão auto-forçada, como a paciência, tem um limite?
Beijinhos
Melhor ficar por aqui, de facto...
:-D
Meu caro Réprobo, o amor é sempre cego nos verdes anos, por inexperiência e projecção de ideais. Depois, torna-se – julgo eu – bastante clarividente, embora, por vezes, por questões de orgulho (ou de apetite libidinoso), prefira não o parecer.
P.S.1: Mas dizem os entendidos que há uma idade nos homens maduros (sem paralelo nas mulheres maduras, assevero!) em que estes tendem a perder a cabeça. E se perdem a cabeça, perdem, naturalmente, a visão.
P.S.2: Faço meus os parabéns da Once a respeito da «ilustração» dos seus «posts». É sempre extraordinariamente adequada, sugestiva… e, se vem a propósito, cheia de humor.
Obrigado, Querida Luísa, claro que o mérito é dos criadores, não de um vampirizante divulgador.
Bem, já se sabe, a comichão do sétimo ano, por aí adiante. Mas não esteja tão segura, Minha Amiga. Com a chegada em força das mulheres a cargos de ensino e de chefia em que deslumbram homens mais novos à mão de semear, suspeito de que as perdas da cabeça serão como na guilhotina do Terror, não pouparão qualquer dos géneros.
Essa clarividência é um pseudónimo, mais do que um heterónimo, da desilusão, não acha?
Beijinho
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